sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

. A água e a sua gestão

                                                 
Todos temos consciência de que o Poder Local Democrático tem sido determinante no sector das Águas e resíduos, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento das condições de vida das populações em todo o país.
O novo quadro legislativo, projectado e concretizado pelo governo PSD/CDS, no âmbito da reestruturação destes sectores, representa transformações substanciais negativas no papel do Poder Local e na sua configuração jurídico-constitucional.
Desde a década de 90 do século passado, tem vindo a abrir-se progressivamente a porta à vontade dos privados naquele que se poderia tornar o negócio da água, pois de um direito fundamental dos povos expressamente reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da resolução A/RES/64/292, foi-se transferindo esse direito para o plano da mercantilização.
A privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), a alteração à Lei de Delimitação de Sectores, a alteração dos estatutos jurídicos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) e a alteração ao Regime Jurídico dos Serviços de Âmbito Municipal de Abastecimento Público de Água, de Saneamento de Águas Residuais e de Gestão de Resíduos Urbanos, contribuem para retirar a gestão destes sectores às autarquias, ou seja, a quem mais sabe gerir o bem público e quem mais conhecimento e experiência técnica e local possui, junto das populações, sendo certo que tais alterações vão permitir a privatização pura e simples dos sistemas multimunicipais de resíduos e a fusão dos sistemas multimunicipais de Águas e Saneamento, com o objectivo de entrega de toda a sua gestão ao sector privado.
Por outro lado, dar poderes de fixação das tarifas destes bens e serviços a uma entidade externa ao Município, sem qualquer conhecimento das especificidades de cada região e das suas populações, representa uma clara violação dos princípios consagrados na nossa Constituição no que diz respeito à autonomia do Poder Local, acrescido o facto de que estão já previstos no actual quadro legal e até 2020 aumentos para os serviços de água, saneamento e resíduos, que nos municípios do distrito de Lisboa, por exemplo, oscilam entre 30% e 78% e constituem um roubo aos rendimentos dos cidadãos.
Nesta conformidade, cabe ao novo governo, em consonância com a sua visão diferente da sociedade portuguesa e as promessas eleitorais, defender a gestão pública da água e a sua universalidade, reverter o processo de privatização da EGF/VALORSUL, tratamento e reciclagem de lixos, recriar as extintas empresas SIMTEJO e SANEST com o estatuto existente antes da sua extinção e impedir os aumentos previstos até 2020.
A título meramente exemplificativo do que pode constituir uma má gestão da água, aqui fica o testemunho do que se passa na cidade de Flint, situada no estado norte-americano do Michigan, o qual decidiu deixar de se abastecer através da rede pública de Detroit, passando a utilizar directamente a água do rio que passa próximo da cidade com o aval do governador que assegurava mais poupança e garantia de qualidade prestada pela Agência de Protecção Ambiental EPA, o que se revelou falso e levou à demissão da directora da Agência, Susan Helman.

Entre 2014 e a declaração do estado de emergência no início do mês corrente, cerca de 12 mil pessoas mostraram sintomas de envenenamento por chumbo e pelo menos dez terão mesmo perdido a vida, pois a água que sai das torneiras é veneno, causando doenças mentais e reprodutivas irreversíveis que afectam especialmente as crianças e crescem as suspeitas de que esta situação na cidade norte americana de Flint estará a atingir proporções de calamidade nacional. 

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