sexta-feira, 7 de outubro de 2011

 

 

 

 

Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

 

A nova etapa no ataque à RTP e ao serviço público




Sr.ª Presidente,

Sr.as e Srs. Deputados

Ao longo das épocas e das legislaturas, há uma jóia, nunca esquecida, que sempre se destaca, resplandecente aos olhos do poder económico e do poder político que a ele se subordina.
O serviço público de televisão sempre esteve na mira dos interesses privados e de quem os serve. Agora, nesta pilhagem que está a ser feita do património e dos recursos do povo e do país, na transferência de riqueza dos trabalhadores para os grupos económicos, a tão cobiçada televisão e rádio pública não podia faltar ao cardápio, e aí temos o Governo em voo picado sobre a empresa e os seus trabalhadores.
Foi há dias noticiada a entrega ao Governo, pela Administração da RTP, de um “Plano de Reestruturação” da empresa, encomendado pelo Ministro Miguel Relvas. Segundo foi noticiado na comunicação social, este processo poderá apontar para a extinção de mais de 300 postos de trabalho na empresa, no contexto de uma estratégia governamental orientada para a privatização.
Apesar de esforços da Comissão de Trabalhadores para ser ouvida no processo de elaboração do referido plano, os pedidos da estrutura representativa que legalmente deve participar na reestruturação da empresa não foram atendidos, quando a lei estabelece a obrigatoriedade de consulta. Deste documento, preparado nas costas dos trabalhadores e dos cidadãos, não foi dado conhecimento nem à Assembleia da República nem à Comissão de Trabalhadores da empresa.
Entretanto, há um grupo de trabalho (chefiado por esse grande especialista em serviço público, audiovisual e multimédia chamado João Duque), nomeado para estudar o que há de ser o serviço público e o sector empresarial do Estado neste sector. Nada conta para nada, e tudo serve para o mesmo: desmantelar o que se diz reestruturar, e do serviço público fazer serviço mínimo.
Aqui está, Srs. Deputados, a autêntica farsa que está montada neste processo, aqui está a que ponto chegou o vale tudo na manipulação e na demagogia.
O Governo, pela voz do Ministro Miguel Relvas, diz que o Serviço Público de Televisão custa demasiado; diz que é preciso cortar, cortar, cortar. Atira números para a discussão, que tanto podem ser 400 milhões como 550 ou 300.
Nós perguntamos – mas cortar quanto? Cortar o quê, para chegar onde? Qual o montante aceitável para o Governo? E o Ministro nada responde. Porque aquilo que o Governo sabe mas não diz é que a RTP, na comparação entre receitas operacionais das estações de Serviço Público, está no fundo da tabela dos países da União Europeia, e todos os indicadores (montantes absolutos, média por habitante, percentagem do PIB, etc.) aparecem abaixo da média europeia.
E quanto às dívidas e ao seu pagamento, o Governo bem pode fazer o papel de escandalizado com a situação que encontrou – é que a situação que encontrou foi a que estava prevista e programada na reestruturação financeira da RTP, decidida em Setembro de 2003 pelo então Governo… PSD/CDS-PP.
Diga-se a verdade, Srs. Deputados! O que está a acontecer é nada mais que o retomar de um projecto que vem de longe, de neutralização e apagamento do Serviço Público nesta área; de reconfiguração e entrega aos interesses privados dos grupos económicos de um poder dominante no sector dos media (e da televisão em particular). Os pretextos podem mudar aqui e ali – quando mudam – mas o objectivo é exactamente o mesmo.
Aliás, é preciso que a memória não seja curta!
Há pouco mais de nove anos, desta mesma tribuna, o PCP denunciava os propósitos de desmantelamento do serviço público de televisão pelo então governo PSD/CDS-PP, que anunciava por esses dias a transformação da RTP numa “outra coisa” destinada à “emissão de um canal generalista de serviço público”.
Já em 1994 (citando o Tribunal de Contas em 2002) era apontada a “falência técnica” da RTP. Em 2006 era a própria Comissão Europeia a constatar e a reconhecer o sub-financiamento crónico a que a empresa era submetida durante anos e anos a fio. Mais de mil milhões de euros até 2003!
Agora, a situação que temos é bem retratada na intervenção de um alto responsável de um canal privado, numa conferência internacional há poucos meses: «o que nós não temos conseguido através do lobby está agora a ser conseguido com a crise económica e orçamental que afecta o nosso país». Referia-se aos cortes nos salários na RTP e em todo o sector empresarial do estado; aos cortes orçamentais e de investimento; à redução nas indemnizações compensatórias.
O Governo e a Administração da RTP às suas ordens vão levando a cabo, medida após medida, uma política de degradação e desarticulação do serviço público de televisão e de rádio.
É o corte das emissões em onda curta da RDP Internacional. É a decisão anunciada de reduzir as emissões da RTP Açores e RTP Madeira para apenas quatro horas diárias. É a falta de clareza e transparência quanto à responsabilidade e às contrapartidas na gestão do arquivo histórico audiovisual da RTP, que a RTP vendeu ao Estado e que o Estado incumbiu à RTP. São os termos inaceitáveis em que se desenrola este processo na dita “reestruturação” da empresa.
É a forma como são ignorados e desconsiderados os Conselhos de Opinião, os Provedores do Telespectador e do Ouvinte, as Organizações Representativas dos Trabalhadores da empresa, os contributos, os alertas, o papel destas entidades.
É este recurso à intimidação e ao terrorismo psicológico sobre os trabalhadores da empresa, a ameaça não desmentida da destruição de centenas de postos de trabalho. E isto quando se sabe que, na sua maioria, os trabalhadores da empresa têm os salários congelados há anos, sofreram os cortes salariais impostos em 2011 e enfrentam também agora o roubo no subsídio de Natal.
Sra. Presidente,
Sras e Srs. Deputados,
O PCP reafirma a defesa de uma causa que é válida e actual.
Aquilo que é indispensável é que a RTP tenha o seu projecto próprio, reestruturado, assente numa estratégia coerente, relevante, numa oferta ampla e diversificada de canais de serviço público, acessível a toda a população (e não apenas a quem tem TV por cabo).
Pela nossa parte, o PCP está à vontade para abordar esta matéria. Sempre denunciámos frontalmente os erros do passado. Sempre recusámos o debate viciado que se limitasse à opção entre ferir de morte a RTP ou deixar tudo na mesma.
O serviço público pode ser – e tem de ser – um espaço de cultura, de liberdade, de deontologia, de cidadania, de soberania, de desenvolvimento. Para o Governo e a maioria, e os interesses que estes servem, é pelos vistos um instrumento ao serviço do poder, que pode servir para controlar mentalidades mas mais ainda para negócios milionários. É também por isso que estamos em lados opostos, e é por isso que a luta dos trabalhadores e das populações (que teve no passado dia 1 uma nova etapa e um ponto mais alto) vai continuar e acabará por derrotar esta política de roubo, de agressão e de desastre nacional.
Disse.

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