quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Intervenção de António Filipe na Assembleia de República
Cortes no transporte de doentes - A face mais desumanas da política deste Governo

Quarta 25 de Janeiro de 2012

Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
A decisão tomada pelo Governo que assegura a regência do nosso país em nome da troika, de alterar as regras de financiamento do transportes de doentes em ambulâncias, está a ter consequências dramáticas e, se não for rapidamente alterada, ameaça assumir proporções de tragédia.
Uma recente reportagem da RTP que dá conta da situação de doentes oncológicos residentes em Alfandega da Fé, que não podem deslocar-se ao Porto e a Coimbra para os tratamentos de que depende a sua sobrevivência, porque as suas pensões não lhes permitem pagar 250 euros por cada deslocação, dão bem a ideia dos foros de desumanidade que a política deste Governo assume em matéria de acesso à saúde.
Mais recentemente ainda uma reportagem da TSF refere o caso de uma cidadã idosa de Odemira que recebe 250 euros de reforma e tem de pagar 200 euros pelo transporte em ambulância e recolhe testemunhos de bombeiros que deparam com o drama de muitos doentes que, para pagar a ambulância, não têm dinheiro para pagar os medicamentos de que precisam.
E casos destes repetem-se aos milhares pelo país fora.
As causas desta situação são conhecidas. O memorando da troika a que o PS, o PSD e o CDS aceitaram amarrar a governação do país, prevê uma redução de um terço dos gastos com transporte de doentes em ambulância. E se a troika manda, o Governo executa e o PS assobia para o lado.
O critério para a comparticipação do transporte de doentes em ambulância foi alterado. Só os doentes com prescrição médica do transporte em ambulância e que não tenham um rendimento superior ao IAS terão direito a transporte gratuito, e os centros de saúde receberam ordens para reduzir drasticamente a requisição de transporte de doentes. Dito e feito: as requisições de transportes de doentes foram drasticamente reduzidas.
Para além disso, a comparticipação do Estado aos bombeiros pelo custo das deslocações foi também reduzida e fica hoje muito abaixo do preço de custo, tornando os corpos de bombeiros em financiadores do Estado. O Estado paga aos bombeiros 48 cêntimos por quilómetro. Há vários anos que esta comparticipação permanece inalterada e entretanto o preço do gasóleo subiu mais de 20 %. Nas deslocações inferiores a 15 quilómetros o Estado paga uma taxa única de saída de 7,5 euros para um único doente. No caso dos demais, paga 1,5 euros. No caso das deslocações a hospitais em que haja demora no atendimento do doente, o Estado já não paga o retorno da ambulância, pagando apenas 2,90 euros por hora de retenção.
Tudo isto somado, a quebra de 30 % nos serviços de transporte requisitados aos bombeiros e as alterações aos critérios de pagamento decididas unilateralmente pelo Governo, fizeram com que as receitas dos corpos de bombeiros com o transporte de doentes tivessem uma quebra da ordem dos 70 %. Os bombeiros da Amadora e de Sintra viram-se mesmo obrigados a suspender o transporte de doentes não urgentes. Segundo dados da Liga dos Bombeiros Portugueses, até à data, terão sido já despedidos 400 trabalhadores adstritos ao transporte de doentes em ambulância.
Ou seja: o Governo instalou o caos a mando da troika. As receitas dos bombeiros com o transporte de doentes caíram a pique, devido à redução drástica dos pedidos e à escassez das comparticipações, pondo irremediavelmente em causa a prestação desse serviço e mesmo a própria viabilidade financeira das corporações. Os bombeiros aguentam muito, abnegadamente. Aguentam enormes sacrifícios para defender os seus semelhantes. Aguentam os maiores perigos para proteger pessoas e bens. Aguentam dificuldades financeiras resultantes do subfinanciamento crónico a que são sujeitos. Mas já não aguentam fazer tudo isso e ao mesmo tempo financiar o Estado.
O que hoje sucede é que muitos milhares de doentes deixaram de ser transportados aos hospitais e centros de saúde, para consultas e tratamentos indispensáveis à sua saúde ou mesmo à sua sobrevivência. As consequências humanas que daí decorrem são terríveis. Os danos causados às populações mais carenciadas são incalculáveis.
Os corpos de bombeiros estão a despedir o pessoal adstrito ao transporte de doentes e a ficar com as frotas imobilizadas, por falta de dinheiro, pondo decisivamente em causa a sua capacidade para acorrer a situações de emergência. Alguns corpos de bombeiros correm mesmo o risco de encerrar.
A questão com que o Governo tem de ser confrontado é esta: quanto custa ao país esta irresponsabilidade, em vidas humanas, em sofrimentos e tragédias pessoais e em dramas sociais?
Muitos dos bombeiros de Portugal, que através da Liga dos Bombeiros Portugueses foram agraciados por esta Assembleia, em 2008, com o prémio dos Direitos Humanos, são despedidos da sua nobre função e lançados no desemprego, porque o Governo não paga o transporte de doentes.
Os Bombeiros de Portugal, que prestam um serviço insubstituível e de valor inestimável ao nosso país, nas funções de socorro e protecção civil, nas situações de emergência e de catástrofe, no socorro a doentes e sinistrados, no combate a fogos urbanos e florestais; os Bombeiros de Portugal, que são das mais benévolas e reconhecidas instituições do nosso país, vêem o seu dispositivo ser desmantelado por falta de apoio do Estado, pondo em causa a capacidade de resposta do sistema nacional de operações de socorro. Se não houver bombeiros, quem acorre aos portugueses em situação de emergência? Quem acorre no auxílio às vítimas da sinistralidade rodoviária? Quem acorre às vítimas de inundações ou de incêndios? Não serão seguramente os senhores da troika, nem são certamente os governantes que executam cegamente as suas ordens.
A situação a que se está a chegar é insustentável. Os Bombeiros, através da respetiva Liga, têm vindo a alertar insistentemente para a gravidade da situação, perante a impassibilidade do Governo.
Para o Ministério da Saúde, preocupado em poupar dinheiro à custa da saúde dos portugueses, o problema dos bombeiros é com o MAI. Para o MAI, preocupado em poupar dinheiro à custa da segurança e da proteção dos portugueses, o Governo nada deve aos bombeiros e o problema da saúde é com o respetivo ministério. Para o Ministério das Finanças e para o Primeiro-Ministro, não há vida, nem saúde, nem segurança, para lá da troika.
O que o Governo hoje está a fazer, com as restrições ao financiamento do transporte de doentes, é a declarar guerra aos soldados da paz e a encarar os doentes como danos colaterais dessa guerra. O corte no financiamento do transporte de doentes, com todas as suas consequências, é uma das faces mais desumanas da política deste Governo. Não é só uma guerra contra os bombeiros. É uma guerra contra o direito mais elementar dos portugueses à saúde e à proteção em estado de necessidade. Mas entre o Governo, a troika e os Bombeiros, os portugueses sabem quem está do seu lado e ao lado de quem devem estar.
Disse.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República
Honório Novo «Este governo é inimigo das pequenas empresas e do país»
Sexta 13 de Janeiro de 2012

Senhora Presidente
Senhores Deputados
A deslocalização da holding familiar de Alexandre Soares Santos, dono do grupo Jerónimo Martins/Pingo Doce, para a Holanda fez cair por terra a imagem pública de um dos homens mais ricos do nosso País.
O contra-ataque, porém, não se fez esperar: comunicados públicos distribuídos pelos funcionários aos clientes do Pingo Doce (não se conhece se esta tarefa foi ou não paga em remuneração suplementar), panfletos colocados nas caixas dos correios, entrevistas atrás de entrevistas, artigos de opinião atrás de artigos de opinião, [sempre, é claro, sem qualquer contraditório), tudo mais ou menos concertado para que Soares dos Santos tentasse recuperar a máscara de pretenso paladino dos interesses nacionais que tinha deixado cair com estrondo.
Fique, porém, o dono do Jerónimo Martins /Pingo Doce tranquilo: não está sozinho nesta fuga organizada de grandes grupos económicos e financeiros para off-shore e locais com regimes fiscais ainda mais permissivos que em Portugal. Está muito bem acompanhado, entre outros, pelos donos de 19 dos 20 grupos cotados na bolsa de Lisboa, pelos detentores do poder económico em Portugal, por muitos dos que enchem a boca com discursos de igualdade e de justiça mas aproveitam para fazer tudo o que podem para fugir às suas responsabilidades fiscais com o País.
Não é só o dono do Pingo Doce que o faz; fazem-no muitos outros a coberto e com a total permissividade da legislação fiscal existente em Portugal.
Usam os alçapões e as omissões – ou as interpretações dos despachos dos Governos – para montar operações de engenharia fiscal que visam quase exclusivamente diminuir ao máximo a carga fiscal global que incide sobre as empresas dos grupos e respetivos acionistas, individuais ou coletivos.
Podem todos continuar a dizer que as suas empresas em Portugal continuam a pagar os mesmos impostos pela atividade que aqui fazem. Como Soares Santos, Belmiro de Azevedo, Zeinal Bava ou António Mexia bem sabem não é essa a questão que se coloca com a deslocalização das SGPS, isto é, das empresas através das quais controlam o capital social do Pingo Doce, da SONAE/Continente, da PT ou da EDP.
A evasão fiscal permitida dá-se através destas SGPS, com sede nas ilhas Caimão ou na Holanda, que recebem lucros, pagam aí impostos com taxas mínimas (por exemplo, um ou dois por cento), e os reenviam para Portugal sem que o nosso País tribute esses rendimentos, em IRC, pela diferença entre as taxas em vigor em Portugal e os valores tantas vezes irrisórios que pagam fora do País.
É este o problema, é esta a base da injustiça fiscal, é este o objetivo do planeamento fiscal que usa a permissividade da legislação nacional. E é assim que, quando a holding familiar nacional de Soares dos Santos distribuir pela família os rendimentos que recebeu da sua homónima holandesa, pode receber mais pagando menos, bastante menos. É assim com Soares dos Santos, é assim com todas os outros grupos que seguem este caminho.
Senhora Presidente
Senhores Deputados
Numa coisa estou de acordo com o Deputado João Almeida: o boicote ao Pingo Doce – que tão sibilinamente recomendou aqui há dias – tal como o boicote ao Continente, à gasolina da Galp, ou à utilização da ZON, não é a forma de resolver esta situação inaceitável de favorecimento fiscal dos autores e ideólogos destas operações de engenharia fiscal.
Se há – aparentemente - um consenso em classificar tais operações de imorais, não éticas ou socialmente ilegítimas, então há que fazer com a lei evolua e impeça estas situações não recomendáveis.
Há que mudar a legislação, impedir que os fiscalistas habilidosos continuem a minar qualquer conceito de equidade fiscal, eliminar as omissões fiscalmente convenientes e tapar os buracos fiscais por onde entra a engenharia fiscal dos grupos económicos e financeiros que assim distorcem de forma absolutamente inaceitável e injusta a distribuição da carga fiscal em Portugal.
Hoje, em Portugal, com a violência que se abate sobre os trabalhadores e o Povo, com a ofensiva da troika e do Governo sobre os mais débeis e os mais fracos, com a recessão endémica e o desemprego galopante, já não bastam palavras bonitas. Temos, por isso, de introduzir um pingo de justiça e equidade fiscal para que os Soares dos Santos e os Belmiros de Azevedo paguem impostos compatíveis com riqueza que ostentam. Se não tiverem – os deputados do PSD e do CDS - coragem para o fazer, então as boas intenções e a retórica que usam passam a tresandar a pura hipocrisia política.
Disse.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Escrito por Manuel Villas Boas

Sábado, 17 Dezembro 2011
Os utentes dos serviços de saúde, vivem nos dias de hoje uma situação que com toda a certeza nunca esperariam enfrentar, em pleno século XXI e num País europeu, que deveria dar exemplo de coesão social e solidariedade e não de retrocesso civilizacional e desigualdade.

 De facto, torna-se muito difícil entender, a não ser por opções ideológicas dos atuais e anteriores governantes, que um Serviço Nacional de Saúde, criado com o 25 de Abril e consagrado na nossa Constituição, tenha chegado à situação de constrangimentos em que se encontra, depois de ter proporcionado à população portuguesa tantos benefícios, nomeadamente no aumento da esperança média de vida e na diminuição da mortalidade infantil, dois extremos etários a mostrar claramente que a vida do ser humano esteve sempre e continua a estar em primeiro lugar nas preocupações de todos os que tudo fizeram para erguer este magnífico edifício e continuam com tenacidade a tentar mantê-lo de pé, apesar dos escolhos colocados pela governação neo liberal só preocupada com os números e não com as pessoas, cortando direitos e provocando conflitos entre os profissionais da área.

Vem isto a propósito das taxas moderadoras e do seu projetado aumento, o qual, além de representar uma aberração para o espírito que presidiu à criação do SNS, constitui uma flagrante imoralidade nos tempos de hoje de enormes dificuldades para a população portuguesa, especialmente a mais vulnerável que já enfrenta um insuportável aumento do custo de vida na alimentação, na educação dos filhos, nos transportes, na eletricidade, na água, no gás, nos cortes de subsídios, enfim em tudo aquilo de que necessita no seu dia a dia, acompanhado ainda pela chaga do desemprego galopante e pelas inadmissíveis alterações ao Código do Trabalho que vão potenciar mais despedimentos e, portanto, mais empobrecimento do País. E se atentarmos nas razões invocadas pelo Ministro da Saúde para justificar a existência das taxas moderadoras, então ficamos perplexos e indignados.

Diz-nos ele que se trata duma medida dissuasora do «entupimento» das urgências, nomeadamente nos hospitais, o que o MUSS-Movimento de Utentes dos Serviços de Saúde repudia por não corresponder à verdade. Sabendo nós e ele também que as urgências estão essencialmente sobrecarregadas com os utentes que não têm médico de família nem capacidade física para «disputarem» de madrugada nas filas de espera dos Centros de Saúde ainda existentes um lugar para consulta de recurso, então chegamos à conclusão que as taxas moderadoras constituem um pretexto para co-financiamento anticonstitucional do sistema e que, por outro lado, o fecho de Centros de Saúde, SAP’s, Maternidades e outras valências, assim como a projetada entrega à Misericórdia de Hospitais Públicos, resultam duma errada opção ou, pior ainda, duma deliberada medida para facilitar o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e torná-lo um sistema residual ou assistencial para cuidar dos «necessitados» ou «pobrezinhos».

Se esta medida do brutal aumento das taxas moderadoras for em frente, estamos perante uma clamorosa injustiça que irá impedir a milhares de famílias portuguesas o acesso aos cuidadosde saúde, colocando em causa a universalidade deste direito constitucional e levando os utentes a continuarem o protesto e a luta, de que o PCP se faz eco ao apresentar brevemente na Assembleia da República uma proposta para revogação das aberrantes taxas moderadoras.

A gente da minha terra, agora é que percebeu, que depositou em mãos erradas o voto que era seu e por essa razão vai engrossar o caudal da indignação de norte a sul e mostrar que não abdica do SNS, não quer taxas nem tão pouco um Portugal transformado num País terceiro mundista, como já foi antes do 25 de Abril.