sexta-feira, 13 de julho de 2012

NÃO AO ENCERRAMENTO DA SEGURANÇA SOCIAL DE BAIÃO


                              Ao Povo de Baião



            Tal como fizemos em 1 de Agosto de 2001 e 30 de Maio de 2002, voltamos a afirmar que somos frontalmente contra o encerramento da Delegação da Segurança Social de Baião, sedeada na Freguesia de Campelo.

Em obediência cega às imposições da «troika» internacional, o governo Passos Coelho/Paulo Portas com a cumplicidade do PS, demonstrando uma total falta de sensibilidade social e moral e até de respeito para com os portugueses, ainda quer ir mais longe com o seu Pacto de Agressão e continua a encerrar serviços públicos essenciais e a efetuar cortes nos direitos e interesses da população nacional.  

Como temos verificado, Baião não foge à regra, apesar dos discursos otimistas de responsabilidade camarária PS e da inoperância duma oposição inexistente PSD.

A Delegação da Segurança Social sedeada em Campelo e inaugurada no início dos anos 80 tem prestado no decorrer dos anos um serviço de qualidade e essencial à população baionense, pelo que o encerramento possível desta instituição pública representa não só uma enorme preocupação para todos, mas um «crime político» que o atual governo cometerá contra o povo de Baião.

Tal como fomos contra os encerramentos das extensões de Saúde de Ribadouro e de Mesquinhata ocorridos em 1990, também em Janeiro de 2001 nos insurgimos contra o encerramento da Loja da EDP em Campelo, assim como em 2010 contra o encerramento da delegação da Segurança Social e privatização dos CTT da Vila de Santa Marinha do Zêzere.

Porque não temos rabos-de-palha e pertencemos a um Partido de princípios, identidade, convicções e palavra, sobra-nos toda a autoridade moral e política para apelarmos ao Povo de Baião para continuar vigilante e lutar, porque o encerramento do Tribunal, da Repartição de Finanças, a extinção de Freguesias e outros serviços públicos essenciais fazem parte integrante da agenda política do atual governo e dos seus apoiantes.

 

PCP/Baião, 10/07/ 2012



PCP- Um Partido de princípios e convicções e ao serviço do Povo de Baião


sábado, 7 de julho de 2012

Não à destruição do Serviço Nacional de Saúde


O SNS recuou para níveis nunca vistos
PCP defende projecto de emergência para a Saúde
Salvar o SNS do colapso

É «verdadeiramente dramática» a situação do direito à saúde e do instrumento que o garante - o Serviço Nacional de Saúde. A gravidade do quadro presente é de tal ordem que o PCP não hesita em lançar um apelo: «É preciso salvar o Serviço Nacional de Saúde».
Faz hoje oito dias foi essa frase que se ouviu da tribuna do hemiciclo pela voz do líder parlamentar do PCP, Bernardino Soares, dando expressão a esse sentimento de preocupação crescente pela linha de continuado ataque ao SNS - agravada por este Governo -, que o fragiliza e faz perder capacidades, ao mesmo tempo que dificulta o acesso das populações aos cuidados de saúde.
«Quando a protecção das pessoas numa questão tão essencial como a saúde deveria ser acrescida porque elas têm menos dinheiro, porque estão mais frágeis e logo mais necessitadas de apoio, é quando o Governo faz recuar o SNS para níveis nunca vistos desde a sua criação», referiu Bernardino Soares, dando nota, em síntese, do momento particularmente difícil que se vive, a justificar, por isso, não apenas o carácter oportuno deste debate promovido pelo PCP como a sua proposta para a criação de um «Programa de Emergência para a Saúde» (ver caixa).
Na base deste programa, que veio a ser chumbado pelos votos contra da maioria PSD/CDS-PP (PS absteve-se, votando favoravelmente ao lado dos deputados comunistas PEV e BE), está o propósito de salvar o SNS e «o direito à saúde do colapso que se vai consumando».

Pagar pela saúde

Foram esses múltiplos mecanismos com que se entretece a teia da política de ataque ao SNS que a bancada comunista denunciou num debate onde as bancadas da maioria (em particular a do PSD) ignoraram por completo as reais dificuldades e os dramas das pessoas, enveredando pela apologia cega das medidas do Governo. Isto misturado ora com uma confrangedora vacuidade na abordagem do tema (caso da deputada Laura Esperança, ainda com a moção de censura do PCP ao Governo por digerir) ora com o recurso ao discurso dúplice, como fez a deputada Carina Oliveira, defendendo medidas junto da população que renega na AR (as extensões de saúde no concelho de Ourém, por exemplo), como tratou de demonstrar Bernardino Soares.
Mas mais revelador ainda da insensibilidade perante a dor e o sofrimento causados por esta política foi a forma como o deputado Couto dos Santos se referiu aos problemas identificados no debate pelo PCP, definindo-os como «questões de pormenor». Reagindo, já no final, Bernardino Soares considerou que tais palavras ilustram bem não só que «a maioria não tem razão» como «está comprometida com a destruição do SNS».
«Quando a maioria diz que a Maternidade Alfredo da Costa é um “pormenor” isso diz tudo da sua atitude quanto ao SNS. Quando diz que em relação aos transportes de doentes não há problema nenhum, quando se sabe que não é um critério clínico que está a determinar o acesso a estes transportes, é evidente que não percebem o que se está a passar no País», criticou duramente o presidente da formação comunista, não deixando de assinalar, por outro lado, no que se refere às despesas anuais das famílias em saúde (questão também aludida por Couto dos Santos), que estas têm vindo a subir e que «subirão ainda mais em 2012 graças à política deste Governo que é pôr as pessoas a pagar pela saúde quando elas não têm dinheiro nem para pagar às vezes a sua alimentação».

Ataque impiedoso
Na sua intervenção inicial o presidente do Grupo Parlamentar do PCP expôs em pormenor as vertentes da política de ataque ao SNS e suas consequências quer para este (sua própria existência e funcionamento) quer para as populações.
Falou, nomeadamente, da política de subfinanciamento crónico e de «garrote financeiro das instituições públicas de saúde» (responsável pelo acumular de dívidas), a par da redução em cerca de 10 por cento do orçamento da saúde, o que, conjugado com a aplicação da lei dos compromissos, está a manietar as instituições no desempenho da sua missão e a levar muitas delas à ruptura, «com falta de materiais, de serviços básicos de apoio, restrição em consultas, tratamentos, medicamentos».
Bernardino Soares chamou ainda a atenção para o facto de esta política – com o objectivo de cortar na despesa - estar a condicionar muito a «prática profissional das diversas profissões da saúde» e, por outro lado, levar ao afastamento de muitos deles, sem falar da «degradação das suas condições de trabalho».
Acusou o actual Governo de insistir numa política de fomento da precariedade, de carência e despedimento de centenas de profissionais de saúde, depois de o SNS ter sido anos a fio espoliado dos meios humanos de que necessita (médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, auxiliares, administrativos).
Ainda neste plano, particularmente criticado foi o ataque brutal às carreiras, em particular as médicas, com o líder parlamentar do PCP a sublinhar que estas últimas – conquista destes profissionais após duras lutas, desde o tempo do fascismo – «são sobretudo uma garantia para a população e para a qualidade dos cuidados médicos prestados».
Prejuízos para utentes
A «drástica redução» das capacidade do SNS e da sua resposta às necessidades dos utentes foi igualmente posta em relevo por outros deputados comunistas que intervieram no debate (Agostinho Lopes, João Oliveira e Rita Rato), dando exemplos de encerramentos de unidades, de serviços, de valências, bem como de diminuição de horários, e dos prejuízos daí resultantes para os utentes e as populações.
Essa diminuição de resposta está bem patente, aliás, nos dados do primeiro trimestre de 2012, com as cirurgias programadas a diminuir 2,9% face ao período homólogo, as sessões do hospital de dia a cair 4,8%, registando-se, por outra parte, um aumento nos tempos de espera para exames, consultas e cirurgias, como exemplificou Bernardino Soares.
Dos custos cada vez mais elevados para aceder aos cuidados de saúde falou também o PCP, destacando o aumento das taxas moderadoras – que está a impedir muitas pessoas de irem aos serviços -, enquanto nos medicamentos a baixa de preços de alguns deles «não repõe as diminuições de comparticipação dos últimos anos e sobretudo não compensa as crescentes dificuldades financeiras das pessoas».
Sobre o Governo recaiu também a acusação de prosseguir a política de desestruturação nos cuidados primários de saúde e, noutro plano ainda, de continuar a política de «favorecimento dos interesses privados». Isso salta à vista nas PPP - «só este ano renderão ao Grupo Espírito Santo, ao Grupo Mello e outros 320 milhões de euros», frisou Bernardino Soares -, tal como nos cerca de 600 milhões de euros da ADSE transferidos para os hospitais privados dos mesmos grupos económicos. Mas é também, sublinhou por fim o deputado do PCP, na «angariação objectiva de negócio para privados que é a política de encerramentos» e da qual resulta que «onde se encerra público, abre privado».
Gastos e mais gastos
Num momento em que largas camadas da população estão a passar por extremas dificuldades – desemprego, baixos salários, precariedade, reformas de miséria, perda de prestações sociais, aumento do custo de vida –, mais desumanas e inaceitáveis são as medidas do Governo que impõem «mais custos, menos acesso e mais restrições» no plano da saúde.
E a verdade é que essa transferência de custos para os utentes não tem parado de aumentar e a um ponto tal que a despesa em Portugal é hoje muito superior à média da OCDE. Bernardino Soares lembrou que em média as famílias portuguesas gastam com a saúde 4,2 por cento do seu orçamento anual, isto para lá do financiamento que já fazem através dos seus impostos.
Por si relevado foi também o facto de em Portugal a despesa com saúde – 6,3% do PIB - ser inferior à média dos países da União Europeia, comparação que em termos de despesa pública per capita é ainda mais significativa: «em Portugal é menos de 40% do que a média da União Europeia».
Medidas imprescindíveis
Garantir mais acesso aos cuidados de saúde, dotar o SNS dos meios necessários, melhor a sua gestão, combater a promiscuidade e o benefício dos privados, eis, em síntese, o grande desígnio que perpassa nas propostas de emergência defendidas pelo Grupo Parlamentar do PCP na área da Saúde.
Condensadas no projecto de resolução que a maioria inviabilizou há exactamente uma semana, tais propostas são uma referência fundamental para todos aqueles que se identificam com a defesa do SNS e por elas continuará a batalhar a bancada comunista.
Entre as medidas preconizadas está, desde logo, o reforço da dotação financeira para o SNS, bem como a revogação das taxas moderadoras em geral.
A revisão do regime de comparticipação dos medicamentos (visando a redução do valor médio anual da comparticipação dos doentes nos custos da medicação) é um dos objectivos visados pelo PCP, que, por outro lado, quer ver revogado o novo regulamento de transporte de doentes não urgentes.
A resolução dos problemas existentes nos cuidados primários é outra direcção de trabalho prioritária, na perspectiva do PCP, que sustenta ser igualmente necessário garantir as condições de trabalho, de formação, de vínculos de carreira e remuneração dos profissionais de saúde.
Fundamental, para o PCP, visando uma melhor gestão dos recursos, é ainda a realização de um concurso público para aquisição de medicamentos em ambulatório e, noutro plano, a renegociação ou denúncia das parcerias público-privadas.

Não à destruição do Serviço Nacional de Saúde



Para que se saiba por que vai haver Greve dos Médicos...
Artigo de opinião escrito pelo médico Carlos Seabra, publicado no Jornal de Aveiro onde trabalha:
"A destruição do SNS: a experiência de um hematologista de um hospital distrital
Sou médico desde 1994, especialista em Hematologia Clínica e em Patologia Clínica. Trabalho no Hospital Distrital da minha cidade natal desde 2003, onde sou responsável pela consulta de Hematologia desde 2006. Durante a minha formação trabalhei no Dana-Farber Cancer Institute (EUA), e em Salamanca.
Nunca foi tão difícil fazer o meu trabalho como agora.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS), a que pertence o meu hospital, está em colapso, os profissionais de saúde estão a sofrer um violento ataque aos seus direitos laborais e os cidadãos estão a perder o direito a aceder aos cuidados de saúde prestados pelo Estado.
Os médicos, particularmente os mais jovens, enfrentam o desemprego, a perspectiva de trabalho precário e mal remunerado, a ausência de carreiras médicas, horas de trabalho excessivas, em instituições mal equipadas, com escassez crónica de pessoal e meios. Muitos emigram, deixando o país sem profissionais diferenciados. Os que ficam estão cada vez mais cansados e desmotivados.
A medicina privada, acessível só aqueles que a podem pagar, é dominada pelas seguradoras e hospitais privados dos grandes grupos económicos, que ditam as regras da política de saúde no nosso país.
As administrações e direcções clínicas dos nossos hospitais e centros de saúde, politicamente nomeadas e instrumentalizadas, muitas vezes arrogantes e incompetentes, tomam decisões locais surpreendentes, danosas para a população e os serviços que dirigem, esquecendo a primeira obrigação do SNS, que é a de proteger a saúde da população.
O ataque ao SNS não é recente mas atinge, com a política neoliberal do actual governo, uma intensidade espantosa, que é sentida diariamente no meu hospital e na minha consulta. Por um lado, os doentes que trato começam a ter que pagar a utilização do SNS e a perder os apoios do estado aos tratamentos, exames diagnósticos e ambulâncias. Por outro, existe um desinvestimento nas estruturas materiais e humanas do próprio SNS, que se traduz em menor capacidade de prestar cuidados de saúde.
Como bom exemplo do que afirmo, recordo um casal idoso, o senhor com leucemia aguda em tratamento de suporte com prognóstico reservado, cuidado pela esposa, também doente com policitémia vera. Fui seu médico enquanto lutaram por conseguir transporte para as minhas consultas, para comprar os medicamentos que receitava, e para obter isenção das taxas moderadoras, agravadas pelas regras recentes (por exemplo: convocar uma junta médica custa 50 euros). Preocuparam-se com tudo isto enquanto enfrentavam a possibilidade de um desfecho fatal, porque neoplasias hematológicas não conferem isenção automática. De facto o meu doente pagou uma consulta no seu centro de saúde poucos dias antes de falecer.
Lembro-me, também, de um doente com um síndrome mielodisplásico, sofrendo de Alzeihmer, dependente dos cuidados da sua esposa, que me contou estar a pagar 40 euros pela ambulância que o transporta às consultas e transfusões, que necessita cada 2 semanas. Outra doente, com 91 anos de idade e com anemia refractária, faltou à sua transfusão regular. O hospital recusou apoiar os pedidos de transporte em ambulância porque considerou os seus rendimentos (434 euros por mês) suficientes para pagar os 85 euros de cada deslocação. A doente necessita de 2 ou 3 transfusões mensais.
Um doente, com um linfoma agressivo que necessitou de tratamento imediato, explicou-me, mais tarde, que o transporte de ambulância para poder vir à sua primeira sessão de quimioterapia não foi possível por resposta tardia do hospital.
Cada vez mais doentes faltam a consultas e tratamentos, por dificuldades com o transporte ao hospital, com consequências óbvias para a sua saúde. Os bombeiros sofrem a falta de apoio económico do estado, e os hospitais e centros de saúde limitam o acesso ao transporte gratuito ou comparticipado de doentes. Em muitos hospitais, rendimentos superiores a 400 euros por mês são suficientes para não ter ambulância, em contradição aparente com a lei.
Um doente com mieloma múltiplo em progressão, com lesões ósseas, dor intensa, incapacidade motora, anemia severa e insuficiência renal, que vive com a esposa, sua única cuidadora, viu o pedido de complemento por dependência recusado por uma comissão médica da Segurança Social, que o considerou não dependente. Foi informado que, se recorresse desta decisão e perdesse, pagaria os custos do recurso. Também viu negado o direito a isenção por incapacidade económica, porque os rendimentos do seu agregado familiar (dele e da esposa) são de 670 euros, superiores, portanto, aos 600 e picos euros que justificam isenção. As contas foram feitas contando com o 13º e 14º mês (multiplicaram a reforma mensal por 14 e dividiram por 12). O apoio da Segurança Social aos doentes está a diminuir significativamente e muitas comissões médicas tomam decisões estranhas que só podem ser entendidas como forma de limitar gastos. Muitas leis recentes são injustas e limitam a possibilidade de os mais desfavorecidos reivindicarem os seus direitos.
Há doentes a quem cobram parte das análises pedidas pelo seu médico, porque não estão relacionadas com a patologia que motiva a isenção. Exames complementares de doentes com diabetes, por exemplo, mesmo que ligados a potenciais complicações, não estão abrangidas pela isenção de taxas moderadoras. Com a nova lei pode ser-se isento para uma só doença e não para outras, mas na medicina a saúde é um todo, e tudo está, quase sempre, relacionado.
Outro dos grandes problemas diz respeito ao acesso ao tratamento, particularmente ao farmacológico.
As barreiras colocadas à prescrição médica estão a condicionar os planos terapêuticos, que deixam de ser escolhidos exclusivamente por razões científicas.
O modelo de prescrição hospitalar, aplicado a nível nacional, é moroso, irracional, afasta do médico a decisão terapêutica, coloca barreiras burocráticas à prescrição e impede muitas vezes os doentes de receberem o tratamento adequado em tempo útil. Esta situação tem grande impacto em Hematologia, porque os Serviços existentes estão sobrecarregados e a esta é uma área de grande avanço cientifico em que novos fármacos, mais eficazes, têm surgido com frequência, sempre com custo económico elevado.
Um dos problemas diz respeito ao chamado resumo das características do medicamento (RCM) que é falsamente considerado como indicação científica de um fármaco (quando não o é de nenhuma forma). Outro está relacionado com o facto de as prescrições necessitarem frequentemente de aprovação de uma comissão de farmácia terapêutica em cada hospital, que não tem competência para o fazer. De facto, os elementos da comissão, não especialistas, tomam decisões avulsas em áreas de conhecimento altamente diferenciado, que apenas deveriam ser tomadas por organismos especializados de nível nacional ou mesmo internacional. Agravando o erro, estas comissões de farmácia reúnem mensalmente, quando as doenças (hematológicas ou outras), não se condicionam por essa periodicidade, necessitando frequentemente de tratamento imediato.Em muitos hospitais do país, os doentes hemato-oncológicos são inicialmente tratados inadequadamente porque as autorizações (difíceis de obter) não acontecem em tempo útil.
Poucos debatem o sistema internacional de patentes e propriedade intelectual, que permite que as grandes multinacionais farmacêuticas estabeleçam unilateralmente preços exorbitantes para os novos fármacos. Estabeleceu-se uma ideologia desumanisada da medicina, e há países onde pura e simplesmente não se tratam algumas doenças, como se elas não existissem.
A história e a situação actual da Hematologia no meu hospital são um exemplo deste brutal ataque ao SNS. Como único hematologista da instituição, sou responsável pela consulta, hospital de dia, e apoio desta especialidade a outros Serviços. É particularmente relevante, em volume de trabalho, o apoio, regular e quotidiano, ao internamento e consulta de Medicina Interna, e ao Serviço de Urgência.
A consulta de Hematologia iniciou a sua actividade em 2006. Desde então tem crescido continuamente. O tempo de espera inexistente inicialmente é agora de 2 anos, o que revela a esmagadora necessidade de apoio hematológico na região. Apesar deste facto não podemos ser acusados de falta de produtividade. Faço 2000 consultas (uma média de 23 doentes por dia de consulta) e 1000 sessões de tratamento em hospital de dia por ano, tendo diagnosticado e assistido 600 doentes com patologia hematológica primária desde o inicio da consulta. Os doentes hematológicos são muitas vezes portadores de doenças crónicas graves e necessitam de consultas frequentes ao longo de grandes períodos. Todos são tratados no meu hospital, excepto quando a natureza da sua doença obriga a terapêutica mais agressiva em regime de internamento.
Desde que trabalho na instituição, apresentei a todas as administrações e direcções um plano para melhorar a capacidade de assistência em Hematologia, que sempre incluiu a contratação de, pelo menos, mais um hematologista. Paradoxalmente, todas as administrações, incluindo a actual, de uma forma ou de outra, ameaçaram terminar a consulta de Hematologia.
Regresso, assim, à questão do acesso aos fármacos para os doentes hematológicos, porque é essa a principal explicação para a existência da Hematologia no meu hospital ter sido, e estar a ser, posta em causa. Os medicamentos nesta área são muito caros, e a Hematologia foi responsável em 2011 por mais de 10% dos gastos farmacêuticos.
Fechar a Hematologia é uma forma óbvia de cumprir metas orçamentais, se se ignorar que tal medida diminui a capacidade assistencial e prejudica a população. Essa opção ignora o volume crescente de pedidos de consulta e de solicitações internas, que ultrapassam a nossa capacidade de resposta. Sucintamente, não temos recursos humanos e logísticos para assistir tantos doentes e a Administração quer cortar custos limitando assistência. No entanto, e seguindo o espírito consagrado na nossa Contituição, a solução para este problema, salvaguardando a saúde hematológica dos cerca de 500.000 habitantes servidos pelo hospital onde trabalho, é simples: é preciso investir na Hematologia.
É esta necessidade de utilizar recursos económicos, e a recusa da Tutela em investir no SNS, que explica que esteja a ser posta em causa a existência de especialidades como Hematologia, Oncologia e outras, em hospitais distritais como o meu. Para os decisores políticos, fechar estes Serviços parece ser a forma óbvia de poupar dinheiro. Contudo, a centralização dos cuidados nestas áreas prejudica claramente a população. Os Serviços nos hospitais centrais já estão a funcionar para além das suas capacidades, como as listas de espera para consultas e tratamentos ( transplantes por exemplo), o demonstram. E a distancia geográfica, aliada às restrições no apoio ao transporte de doentes e ao empobrecimento da população, provoca uma barreira que vai afastando os doentes dos cuidados que necessitam. Na realidade, pelas medidas que defende, pode ficar-se com a sensação de que essa é a intenção do governo. Uma coisa é certa, o cancro é uma doença muito frequente: 1 em cada 2 homens e 1 em cada 3 mulheres vai desenvolver cancro ao longo da sua vida. A proximidade e acesso fácil a cuidados de saúde dedicados, melhora os resultados obtidos. Uma doença tão comum justifica um plano nacional bem pensado em que participem as Sociedades, Colégios e principais Serviços nacionais de cada especialidade. Não deixo de ter inveja quando visito o website da rede oncológica de Ontário, no Canadá. Tudo parece tão fácil...
Vivemos tempos difíceis, mas nós, os médicos, não nos devemos demitir de sermos participantes activos na defesa da boa prática da profissão."