Todos
temos consciência de que o Poder Local Democrático tem sido determinante no
sector das Águas e resíduos, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento
das condições de vida das populações em todo o país.
O
novo quadro legislativo, projectado e concretizado pelo governo PSD/CDS, no
âmbito da reestruturação destes sectores, representa transformações
substanciais negativas no papel do Poder Local e na sua configuração jurídico-constitucional.
Desde
a década de 90 do século passado, tem vindo a abrir-se progressivamente a porta
à vontade dos privados naquele que se poderia tornar o negócio da água, pois de
um direito fundamental dos povos expressamente reconhecido pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, através da resolução A/RES/64/292, foi-se transferindo
esse direito para o plano da mercantilização.
A
privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), a alteração à Lei de
Delimitação de Sectores, a alteração dos estatutos jurídicos da Entidade
Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) e a alteração ao Regime
Jurídico dos Serviços de Âmbito Municipal de Abastecimento Público de Água, de
Saneamento de Águas Residuais e de Gestão de Resíduos Urbanos, contribuem para
retirar a gestão destes sectores às autarquias, ou seja, a quem mais sabe gerir
o bem público e quem mais conhecimento e experiência técnica e local possui,
junto das populações, sendo certo que tais alterações vão permitir a
privatização pura e simples dos sistemas multimunicipais de resíduos e a fusão
dos sistemas multimunicipais de Águas e Saneamento, com o objectivo de entrega
de toda a sua gestão ao sector privado.
Por
outro lado, dar poderes de fixação das tarifas destes bens e serviços a uma
entidade externa ao Município, sem qualquer conhecimento das especificidades de
cada região e das suas populações, representa uma clara violação dos princípios
consagrados na nossa Constituição no que diz respeito à autonomia do Poder
Local, acrescido o facto de que estão já previstos no actual quadro legal e até
2020 aumentos para os serviços de água, saneamento e resíduos, que nos
municípios do distrito de Lisboa, por exemplo, oscilam entre 30% e 78% e constituem
um roubo aos rendimentos dos cidadãos.
Nesta
conformidade, cabe ao novo governo, em consonância com a sua visão diferente da
sociedade portuguesa e as promessas eleitorais, defender a gestão pública da
água e a sua universalidade, reverter o processo de privatização da EGF/VALORSUL,
tratamento e reciclagem de lixos, recriar as extintas empresas SIMTEJO e SANEST
com o estatuto existente antes da sua extinção e impedir os aumentos previstos
até 2020.
A
título meramente exemplificativo do que pode constituir uma má gestão da água,
aqui fica o testemunho do que se passa na cidade de Flint, situada no estado norte-americano
do Michigan, o qual decidiu deixar de se abastecer através da rede pública de
Detroit, passando a utilizar directamente a água do rio que passa próximo da
cidade com o aval do governador que assegurava mais poupança e garantia de
qualidade prestada pela Agência de Protecção Ambiental EPA, o que se revelou
falso e levou à demissão da directora da Agência, Susan Helman.
Entre
2014 e a declaração do estado de emergência no início do mês corrente, cerca de
12 mil pessoas mostraram sintomas de envenenamento por chumbo e pelo menos dez
terão mesmo perdido a vida, pois a água que sai das torneiras é veneno, causando
doenças mentais e reprodutivas irreversíveis que afectam especialmente as
crianças e crescem as suspeitas de que esta situação na cidade norte americana
de Flint estará a atingir proporções de calamidade nacional.
Sem comentários:
Enviar um comentário