A incoerência política
A separação entre o profano e o religioso, ao nível das instituições e
da governação, constitui um factor de coesão da sociedade que não deve ser
subestimado pois, como diz o povo e muito bem, cada macaco no seu galho.
Em Portugal e ao nível da Igreja Católica, houve alguns sacerdotes que,
no entanto, não puderam ficar indiferentes perante os crimes do fascismo e,
contrariando as determinações hierárquicas, tiveram papel de relevo na ajuda da
procura de soluções para a pobreza, as injustiças e o crime, pois não se
sentiam imunes ao sofrimento da população à qual pertenciam e pretenderam levar
até às últimas consequências a interpretação do conteúdo das chamadas
Escrituras, o que é de louvar e não colide com a separação dos poderes
referidos, pois fora da instituição a que pertenciam eram cidadãos comuns que
não concordavam com a ignomínia, a perseguição, a tortura e a morte então
vigentes.
Com a vinda da democracia, graças à Revolução do 25 de Abril, essa
preocupação sacerdotal tornou-se diluída com o aparecimento da justiça social,
do emprego com direitos e do objetivo do desenvolvimento económico, enfim, a
busca duma sociedade nova sem exploração do homem pelo homem.
Porém e enquanto houve partidos que abraçaram, defenderam e defendem
coerentemente os ideais da Revolução, outros houve que, auto proclamando-se
defensores da democracia e do socialismo, tornam difícil acreditar nesta
caracterização política, dadas as suas contraditórias, ambíguas e continuadas
tomadas de posição, aliás, da mesma forma como o conhecido cónego Melo, segundo
dizem alguns, sacerdote muito conceituado e vigário geral da arquidiocese de
Braga, também optou por se colocar na prática numa posição contra a religião
que dizia defender e contra a democracia, no pós 25 de Abril, ao integrar a
organização fascista ELP (Exército de Libertação Nacional), responsável pela
destruição de sedes do PCP, morte de militantes comunistas e pelo apoio a
atentados bombistas, nomeadamente o que vitimou o padre Max, além de ter sido
também conhecido no período institucional como um ativo promotor de interesses
imobiliários especulativos, alguns até contra a própria igreja bracarense.
Pois é a este cavalheiro que um grupo de cidadãos de Braga achou por bem
levantar uma estátua a inaugurar depois das eleições autárquicas, iniciativa
esta que foi aprovada na Câmara com os votos favoráveis do PS, tendo o
presidente da Câmara, Mesquita Machado, declarado que «Quero homenagear o
cidadão cónego Melo. Que fique bem claro. O cidadão, o bracarense, que era um
bracarense dos sete costados. Era um grande bracarense e, como tal, é essa a
homenagem que nós lhe devemos. O resto tem que ser abstraído», ou seja, abstrai-se
que estamos perante uma homenagem a um declarado terrorista.
Não surpreenderá ainda que muitas das ações de terrorismo deste
cavalheiro tiveram na altura o beneplácito dos partidos CDS, PSD e PS, sendo
inclusive de recordar as palavras de Soares, o fixe e padrasto, desculpem, pai
da democracia, ao afirmar que estas ações devidamente organizadas eram «reações
espontâneas das massas populares, indignação popular genuína, rejeição do PCP».
O decorrer do tempo e o crescimento do PCP em Braga encarregaram-se de
comprovar o contrário, mas também trouxeram à evidência que identidade,
ideologia e princípios são características partidárias de que nem todos os
partidos se podem gabar de possuir ou seguir.
O repúdio pela edificação da estátua já surgiu, tendo dado origem a uma
concentração de protesto, onde foram reafirmados os ideais de Abril e rejeitada
a mitificação da valores e atos que evocam os tempos do obscurantismo e a
servidão.
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