segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Inquérito necessário

Conferência de Imprensa, João Oliveira, Presidente do Grupo Parlamentar e membro da Comissão Política do Comité Central, Lisboa

Inquérito Parlamentar à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, ao processo que conduziu à aplicação da medida de resolução e às suas consequências, nomeadamente quanto aos desenvolvimentos e opções relativos ao GES, ao BES e ao Novo Banco



Desde há muito que se constata que o funcionamento do sector financeiro é marcado pela actividade especulativa, pela subordinação a orientações e determinações oriundas de centros de decisão transnacionais, pela transferência para o estrangeiro de milhares de milhões de euros em dividendos e lucros por decisão e critério dos accionistas privados, fazendo com que o País perca soberania e capacidade de intervenção económica e financeira.
A par disto, há vários anos que se sucedem situações que indiciam práticas e operações de manipulação de dados e contas, fuga e branqueamento de capitais, especulação, tráfico de influências e outro tipo de irregularidades ou mesmo crimes envolvendo bancos privados e os respectivos grupos económicos.
Práticas que não estão desligadas do domínio destes grupos sobre a economia e a sociedade através das suas ligações tentaculares, da manutenção de quadros legais e regulamentares, incluindo de regulação e supervisão, que facilitam tais processos e práticas.
O agravamento da crise do capitalismo, com a explosão dos problemas financeiros de 2007, intensificou o desenvolvimento de um debate no plano internacional que, ignorando no fundamental a lógica especulativa do sistema financeiro, procura apresentar o reforço da capacidade de regular e supervisionar o sistema financeiro como solução para os problemas verificados. Nesse quadro, no plano da União Europeia, o BCE e o sistema financeiro internacional criaram um conjunto de mecanismos e instituições que, apesar de deixarem intocados aspetos essenciais do funcionamento especulativo do sistema financeiro, foram apresentados como necessários para impedir o desenvolvimento e ressurgimento de novas crises e colapsos de grandes bancos com impactos sistémicos.
Registe-se que nenhumas medidas efectivas foram tomadas para limitar ou impedir a intervenção de elementos centrais no desenvolvimento da crise financeira, e em particular no sector bancário, nomeadamente, “os paraísos fiscais/sociedades offshores”, a “banca sombra”, os “produtos financeiros derivados” e a “circulação de capitais” fora de qualquer controlo pelos Estados.
Esta situação, servindo os interesses dos acionistas privados de acumulação de lucros e concentração de capital, tem conduzido à grave crise que se vive no sector financeiro e cujas dramáticas repercussões no plano económico e social se têm feito sentir na pesada fatura apresentada aos trabalhadores e ao povo com a política de agravamento da exploração, de corte de salários e de pensões, de ataque aos direitos sociais e degradação generalizada das condições de vida.
As situações envolvendo BPN, BCP, BPP, BANIF e respetivos grupos económicos eram já disso exemplo e a essas acrescenta-se agora o BES.
À semelhança do que aconteceu no caso BPN, perante a passividade dos governos e a cumplicidade ou inoperância complacente de supervisores e reguladores, a situação no Banco Espírito Santo (BES) e no Grupo Espírito Santo (GES) foi-se deteriorando.
O GES tal como outros grupos monopolistas desenvolveram uma rede de domínio sobre a economia e a vida nacional, de promiscuidade com o poder político, determinando a composição e as opções de sucessivos Governos, de comprometimento do desenvolvimento, atingindo os interesses nacionais em diversos planos de que é exemplo a fixação das suas sedes fora do País, no caso do GES, no Luxemburgo. A política de direita das últimas décadas ao serviço do grande capital tem criado um quadro legislativo favorável aos seus interesses em violação da Constituição da República Portuguesa, ao mesmo tempo que favorece práticas ilegais e a impunidade para quem as pratica.
Há vários anos que se sucediam as notícias sobre o envolvimento do GES em eventuais casos de fraude e branqueamento de capitais, em práticas ilícitas entre o banco e entidades do grupo, envolvendo inclusivamente alguns administradores do banco.
Quando se tornou impossível esconder os problemas que atingiam o grupo e o banco, de diversas origens e proveniências foram sendo feitas afirmações públicas quanto à solidez da instituição financeira e à imunidade de que gozava relativamente aos problemas que se verificavam no grupo sem que tivessem sido tomadas medidas para evitar o agravamento dos problemas que já haviam sido identificados.
Quando se tornou inevitável intervir para evitar o colapso da instituição financeira adotou-se uma solução que em nada garante que os portugueses não serão uma vez mais chamados a suportar a fatura das práticas especulativas em substituição dos acionistas privados que durante anos acumularam avultados lucros e dividendos, particularmente aqueles que na fase final do processo se desoneraram das suas obrigações, alienando participações sociais para não assumirem qualquer tipo de responsabilidade.
Colocam-se ainda óbvias preocupações quanto ao futuro dos trabalhadores, não só do BES mas de todas as empresas que integram o universo GES, cujo sacrifício dos postos de trabalho é colocado na primeira linha de medidas a tomar, como recorrentemente acontece em processos ditos de reestruturação mas que apenas visam a distribuição dos ativos mais rentáveis de entidades a liquidar.
Esta situação evidencia ainda mais a necessidade da rutura com a política de direita e de uma política patriótica e de esquerda.
No imediato, para lá do apuramento que deve ser feito no plano criminal para exigir responsabilidades pelo que ao longo de anos ocorreu no Banco e no Grupo Espírito Santo, impõe-se que a Assembleia da República assuma as responsabilidades que lhe cabem no apuramento das circunstâncias de todo o processo e suas consequências.
Assim, o Grupo Parlamentar do PCP proporá a criação de uma Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar que tenha por objeto:
1- averiguar as práticas e procedimentos da gestão bancária que conduziram o BES à situação de ruptura;
2- averiguar as relações entre o BES e restantes entidades do universo do GES, designadamente os métodos e veículos utilizados pelo BES para financiar essas entidades;
3- avaliar o quadro legislativo e regulamentar, nacional e comunitário, aplicável ao sector financeiro e a sua adequação aos objetivos de prevenir, controlar, fiscalizar e combater práticas e procedimentos detetados no BES e no GES;
4- avaliar a ligação entre o estatuto patrimonial e o funcionamento do sistema financeiro e os problemas verificados no sistema financeiro nacional e respetivos impactos na economia e contas públicas;
5- avaliar a intervenção de entidades e poderes públicos, nomeadamente do Governo e das entidades de supervisão e regulação, desde 2008;
6- avaliar as condições em que foi aplicada a medida de resolução pelo Banco de Portugal e suas consequências, incluindo o conhecimento preciso da afetação de ativos e riscos pelas duas entidades criadas na sequência das decisões anunciadas pelo Banco de Portugal no dia 3 de Agosto de 2014;
7- avaliar a intervenção do Fundo de Resolução e a eventual utilização, direta ou indireta, imediata ou a prazo, de dinheiros públicos.

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