Na perspetiva de Bertold Brecht, que podemos apreciar devidamente na
sua parábola A Alma Boa de Setsuan, a grande questão colocada pelo cristianismo
é saber como devemos coadunar a defesa dos nossos próprios interesses com os
interesses dos coletivos, de como ser bom para si próprio sem deixar de ser bom
para o próximo.
Este notável dramaturgo, poeta e encenador de origem alemã, nascido a
10 de Fevereiro de 1898 em Augsburgo, procura tratar didaticamente na obra
atrás referida a complexa disciplina da ética, de tal forma que qualquer
cidadão tenha oportunidade de se questionar sobre as dificuldades de praticar o
bem e, hoje em dia no nosso País, em que o exemplo dos governantes não será propriamente
o da melhor atitude ética para com os governados, este tema constitui uma
inquestionável oportunidade de inspiração.
Como conciliar os interesses privados com os públicos ou poderá
qualquer arte intitular-se como arte se não tornar claro de alguma forma os
seus compromissos políticos, constituem outras interrogações colocadas por
Brecht, para as quais encontra respostas essencialmente de carater social, pois
não podemos eticamente confundir a prática do bem com a tolerância para com os
malfeitores.
E aquilo que os malfeitores da vida pública mais desejam é que os
cidadãos se desliguem da política, deixem de exercer a cidadania ou de
participar nas decisões que os afetam, pois desta forma limitar-se-ão depois ao
lamento.
O atrás exposto surgiu por termos sido surpreendidos há dias com uma
reportagem televisiva realizada pela estação pública, subordinada ao tema do
aniversário da queda do BES e tendo como principal objetivo mostrar a capela da
família Espírito Santo, anexa à residência e onde aos domingos tem sido
celebrada missa para familiares e amigos mais próximos.
O celebrante há 14 anos continua a ser o mesmo e demonstrou ter grande
confiança, amizade e admiração por Ricardo Salgado, de tal forma que terá sido
mesmo seu confidente ou confessor, durante o referido período de tempo, se
tivermos em conta as palavras proferidas à jornalista de serviço, palavras
essas que poderão causar mesmo certa perplexidade no seio dos católicos,
apostólicos, romanos, pois, sendo confidências, infringirão as regras da igreja
sobre esta matéria ou então constituirão uma nova abordagem para com os seus
seguidores, o que se torna, no mínimo, uma notável mudança de conduta
ético-religiosa.
O padre em causa citou algumas palavras do ex-presidente do BES ou
ex-dono disto tudo, como queiram, algumas das quais aqui são referidas: «todos
me abandonaram e a minha mulher tem sido o meu anjo, a minha força»;
questionado pelo padre sobre como resiste a estas coisas do Portucale,
Mensalão, Madrid, Brasil, respondeu «é verdade, é verdade, este bocadinho que
eu venho aqui, venho buscar força ao nosso Deus para continuar, para caminhar»
e o padre desabafa à jornalista «é um homem triste, perdeu uns quilinhos, é um
homem amargurado, mas um homem que tem uma grande alma e que não desiste».
Fica bem patente a admiração incondicional do padre pelo fiel e de tal
modo que, independentemente da decisão da justiça terrena perante os imensos e inaceitáveis
comportamentos praticados contra o País e as pessoas, o pároco já lhe concedeu
a absolvição, que eventualmente poderá ser extensiva ao presidente de alguns
portugueses, ao primeiro-ministro, ao governador do Banco de Portugal, à
ministra das Finanças, à administração da CMVM e a todos quantos foram
cúmplices, por ação e omissão, deste verdadeiro pecado criminoso violador dos
mais elementares princípios da ética e da moral, praticado por esta grande
alma.
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