domingo, 23 de junho de 2013

A Luta Continua

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Lisboa, Sessão «Álvaro Cunhal e a luta pela emancipação da mulher»

O PCP, pelos seus objectivos, pelo seu programa e acção se colocou e coloca na vanguarda na luta pela emancipação da mulher

As comemorações do centenário do nascimento de Álvaro Cunhal que se têm vindo a realizar por todo o país, no quadro das quais se insere mais esta esplêndida iniciativa, constituem já um enorme êxito. Elas confirmam não apenas a justeza da decisão de nos termos abalançado a este empreendimento, mas, essencialmente, quanto era desejada pelos comunistas, mas também por muitos outros democratas e patriotas, a realização desta merecida homenagem à grande e destacada figura da vida política e cultural da nossa história contemporânea que foi Álvaro Cunhal.
A diversidade do seu pensamento, da sua intervenção e da sua obra, colocaram a necessidade de fazer opções em relação a muitos aspectos da sua vida política, como militante e dirigente do PCP, e como homem portador de uma cultura integral e criador artístico, mas esta sessão tomando como tema “Álvaro Cunhal e a luta pela emancipação da mulher”, tendo em conta o seu contributo de uma vida inteira, tornou-se desde o início uma necessidade incontornável.
Álvaro Cunhal, desde muito jovem incorporou um olhar atento sobre a situação das mulheres que incluiu nas suas preocupações como um importante combate, de entre os grandes e difíceis combates do seu tempo, contra o fascismo que acabava de se impor pela força e repressão no nosso país, a exploração capitalista que a crise de 1929/33 expunha de forma brutal e contra a guerra que se avizinhava. Esse olhar está patente em artigos que publicou em “O Diabo” e no “Sol nascente”, entre 1935 e 1939, onde aborda questões como a exploração das trabalhadoras grávidas, as desigualdades entre os sexos na família e sobre o trabalho infantil.
Uma preocupação que continua com o inovador e corajoso estudo que será a sua tese de licenciatura em Direito sobre o flagelo do aborto clandestino que dilacerava a sociedade portuguesa e que defende em 1940, sob prisão e escolta policial, na Universidade de Lisboa.
Enquanto dirigente do Partido Comunista Português e na qualidade de Secretário-Geral, Álvaro Cunhal lega-nos centenas e centenas de textos – artigos, relatórios, livros, discursos – que representam um inegável património teórico, indissociável da acção e intervenção do Partido Comunista Português.
Um património onde está patente a sua sólida formação política e ideológica, o profundo conhecimento do legado teórico de Marx, Engels e Lenine sobre a situação da mulher na sociedade capitalista, sobre a situação da mulher no capitalismo e sobre o socialismo como resposta à aspiração milenar de emancipação social da mulher. As intervenções de Álvaro Cunhal, em todos os Congressos, em múltiplas intervenções, manifestam um permanente e exigente conhecimento da realidade das mulheres em Portugal, na integração de objectivos promotores da participação das mulheres na luta geral e específica, em cada contexto de intervenção – sobre o regime fascista, na Revolução de Abril e no processo da contra-revolução e de recuperação capitalista – a par da permanente atenção do PCP à formulação de reivindicações específicas em defesa dos direitos das mulheres.
O pensamento e obra de Álvaro Cunhal contribuiram fortemente para a acção do Partido Comunista Português que, pelos seus objectivos, pelo seu programa e acção se colocou e coloca na vanguarda das forças políticas portuguesas na luta pela emancipação da mulher.
A sua obra, as suas análises sobre a situação das mulheres e sua participação na vida colectiva mantêm-se com redobrada actualidade e o seu conhecimento é de uma grande importância no combate que travamos pela igualdade e emancipação da mulher. Tal como se mantêm actuais os conteúdos da Conferência do PCP sobre “A emancipação da Mulher no Portugal de Abril”, uma iniciativa inédita no panorama político partidário português, realizada em 1986, para a qual deu um contributo inestimável.
As suas principais análises e teses são um valioso instrumento para a formação ideológica de todos os que se empenham nesta frente de combate e por uma sociedade mais justa e igualitária, e permanecem como uma importante “bússola” orientadora da acção dos comunistas. A ideia de que a luta da mulher pela sua emancipação é inseparável da luta dos trabalhadores e dos povos pela sua libertação da exploração capitalista e opressão imperialista; que a luta revolucionária por transformações sociais são a base e factor dinamizador fundamental do avanço do processo de emancipação da mulher, e que é fundamental a luta de todo o Partido (na esfera política, social, cultural e ideológica) contra todas as formas de exploração, discriminação e opressão das mulheres, são, entre outras, teses que mantêm toda a actualidade.
Camaradas:
A actual crise do capitalismo mostra, com mais clareza, que este sistema é o inverso de democracia e a causa das mais profundas desigualdades em todos os domínios da nossa vida social. É o principal inimigo das mulheres negando-lhes, na prática e na vida, o exercício pleno dos seus direitos.
A pretexto da crise, está em curso um profundo retrocesso na situação e nos direitos das mulheres com a destruição das conquistas e direitos alcançados ao longo do século XX pela luta dos trabalhadores e dos povos, visando o retrocesso à situação de exploração de classe e de opressão nacional do século XIX.
A igualdade de género, como emanação do sistema capitalista é, não só redutora, como falsa, apenas condescende com a perspectiva de igualdade das mulheres e homens das classes dominantes e nega-a, na prática, às mulheres trabalhadores e das camadas populares. A sua igualdade de género está despida de qualquer perspectiva de transformação da condição social das mulheres destas classes e camadas, serve, com novas roupagens ideológicas, para esconder os seus mecanismos de dominação e opressão que se abatem sobretudo e de forma mais brutal sobre essas mulheres.
É a natureza do sistema capitalista que não permite concretizar o direito à igualdade das mulheres das classes trabalhadoras e populares porque usa o trabalho das mulheres como reserva de mão-de-obra barata e sistematicamente a desqualifica, mas também porque tudo faz para promover o seu aprisionamento à dupla jornada de trabalho, nomeadamente com a privatização e o vazio que origina de equipamentos sociais de apoio às famílias, às crianças e aos jovens das classes trabalhadoras.
As mulheres das classes trabalhadoras e das camadas mais pobres e desfavorecidas são duplamente penalizadas, em razão da classe e do sexo, pelo aprofundamento das desigualdades na redistribuição da riqueza, pelo cortejo do desemprego massivo que mais as penaliza, pelo ataque à democracia, às liberdades e aos direitos de que são ,em geral, as primeiras vítimas.
São as mulheres, das classes trabalhadoras e das camadas mais desfavorecidas e os seus filhos, que mais são atingidos pelas agressões militares de ocupação territorial, pela guerra, pela exploração do trabalho infantil, do tráfico de seres humanos, de esclavangismo e da exploração sexual.
Em numerosos países, são empurradas para o aborto clandestino, morrem por falta de cuidados médicos na gravidez e no parto; sofrem as consequências da privatização da água, da saúde e de outros serviços fundamentais à vida com dignidade.
É por isso que a luta das mulheres e a sua integração na luta mais geral contra a exploração e opressão assume uma dimensão e amplitude crescentes.
São elas que integram a intensa luta de classes que está em curso por todo o mundo pelo direito ao trabalho, pelos direitos laborais, a democracia, pela defesa da soberania e a autodeterminação dos povos.
São elas, as suas organizações e a sua Federação Democrática Internacional de Mulheres que, por todo o lado, lutam pelo reconhecimento dos seus direitos específicos na lei e na vida. São elas e as suas organizações que cada vez mais lutam em defesa da paz e promovem a solidariedade entre as mulheres do mundo inteiro.
Camaradas,
Em Portugal, a defesa dos direitos das mulheres está estreitamente ligada à luta contra a política de direita, pela demissão do actual governo e pela rejeição do Pacto de Agressão que PS/PSD e CDS assinaram com a troika estrangeira.
Uma intensa luta de classes que se desenvolve em várias frentes e sectores, com particular destaque para a luta em defesa do emprego, dos direitos e rendimentos do trabalho, bem evidente, neste momento, no sector público, onde milhares e milhares de mulheres do sector do ensino, da segurança social, da saúde e de outros serviços, enfrentam a mais brutal das ofensivas.
Uma ofensiva que as atinge directamente no seu direito ao emprego e ao salário, mas que põe ao mesmo tempo em causa a garantia de direitos fundamentais e absolutamente vitais para assegurar e elevar a qualidade de vida da maioria das mulheres e da generalidade dos portugueses.
Uma ofensiva brutal que assume agora uma nova e mais grave dimensão com o programa de terrorismo social, que denominam de “Reforma do Estado” e que envolve cortes no valor de 4,7 mil milhões de euros nos direitos dos trabalhadores e reformados, nas funções sociais do Estado e noutros serviços essenciais para a vida das populações.
Uma ofensiva que, a concretizar-se, agravará ainda mais todos os problemas económicos, sociais e financeiros do país, nomeadamente a recessão que se aprofunda, o desemprego, as desigualdades, a pobreza, a dívida e as condições de vida da maioria dos portugueses. Condições de vida que conheceram nestes dois anos de governo do PSD/CDS, uma acentuada degradação, em resultado também do aumento dos impostos, do corte nos salários, das prestações sociais, do aumento dos preços dos bens e serviços essenciais.
Toda a política que está em curso com este governo e com este Pacto de Agressão se traduz numa palavra: retrocesso!
Retrocesso social, económico, cultural e civilizacional!
Uma política que, servindo os grandes interesses económicos e financeiros e toda a gama de especuladores, está assente na mentira, na baixa manobra, na mistificação da realidade, dos seus objectivos e da sua política.
Perante a evidência do desastre das suas políticas e das brutais consequências do Pacto de Agressão no país, estamos a assistir à mais despudorada tentativa de alijar responsabilidades por parte de todos os responsáveis pela situação do país e ao preparar do terreno visando levar ao engano, outra vez, os portugueses e continuar a mesma política.
O que se passou esta semana com o CDS e Paulo Portas e as suas propostas de baixa dos impostos, do partido da resistência à troika e de defesa dos interesses populares contra o fundamentalismo neoliberal do PSD, é do domínio da farsa. Eles que acabaram há escassos meses de participar na decisão do maior aumento de sempre de impostos sobre o rendimento do trabalho – mais de 30% no IRS, fora os outros, vem prometer para amanhã a baixa dos impostos que aumentaram ontem! Eles que estão em todas as decisões que afundam o país e arruínam a vida dos portugueses!
Farsa que se transforma em ópera bufa com esse número de Paulo Portas que entende que este governo se deve manter até acabar a sua missão: a saída da troika. Quer acrescentar à farsa do partido dos contribuintes a impostura do partido da recuperação da soberania nacional!
O CDS e Paulo Portas sabem que saindo a troika formalmente, a manter-se este governo e as mesmas políticas nacionais e europeias, ficam as medidas da troika, agora tuteladas pelo BCE e sob a batuta da Alemanha. Fica Portugal sob a vigilância reforçada do BCE e do dito Plano de Precaução – com a economia cada vez mais fragilizada, o desemprego a bater recordes, a dependência agravada. Portas sabe disso, mas quer convencer os portugueses que Portugal se viu livre da troika com a sua patriótica presença no governo de ruína nacional!
O CDS e Paulo Portas pensa poder enganar o povo por todo o sempre!
Mas se é assim com o CDS, a farsa não fica por aqui. Encontramos os mesmos propósitos nos outros protagonistas e responsáveis pela situação do país. Na operação viragem do PSD de Passos Coelho e do seu governo que, depois do descalabro, vem anunciar tal como Portas, a abertura de um novo ciclo – o ciclo do investimento – cujo objectivo é apenas um: cobrir com o diáfano manto da fantasia a brutal ofensiva que está em curso e tentar justificar a permanência de um governo que há muito perdeu a validade. Em Cavaco Silva, que agora condena também a política de austeridade da troika, erigida na grande responsável pela situação do país para sacudir a água do capote do governo que apadrinha e entrando nessa pouco edificante, mas calculista operação de “passa culpas” a que temos assistido. Operação com o claro propósito de eclipsar os responsáveis pelo rumo para o abismo que segue o país, em resultado da aplicação do Pacto de Agressão. A mesma operação que temos visto da parte dos responsáveis do FMI, da Comissão Europeia, da OCDE, do governo de Merkel que vêm, à vez, fazer acusações mútuas e mostrar públicas preocupações com as consequências das próprias políticas que em comum promovem. Mas o mesmo poderíamos dizer, no âmbito da operação “passa culpa” em curso, à tentativa de branqueamento das responsabilidades do PS que não se cansa de argumentar que o mal está no exagero do PSD por ter ido além da Troika, como se o Pacto não tivesse uma dose cavalar de austeridade e fosse um instrumento inócuo!
Como se todos não tivessem agido concertadamente para transferir para os trabalhadores e os povos os custos da crise do capitalismo. Para transferir para a banca, para os agiotas e especuladores o resultado do trabalho dos povos que sugam sem escrúpulos!
É por tudo isto que é preciso continuar a luta e, como aqui já se afirmou, fazer da greve geral do próximo dia 27 uma grande e portentosa jornada de luta dos trabalhadores e do povo português!
É por tudo isto que a luta por uma alternativa assume uma ainda maior premência! Uma alternativa que passa pela rejeição do Pacto de Agressão, pela renegociação da dívida e pela concretização de uma política patriótica e de esquerda.
Uma política para defender os interesses dos trabalhadores e do povo, promover o desenvolvimento económico e social geral e capaz de assegurar os direitos das mulheres.
Uma política que devolva os direitos, salários e rendimentos usurpados. Que garanta às trabalhadoras o direito ao trabalho com direitos. Que ponha fim ao desemprego e à precariedade no trabalho que atinge as novas gerações de mulheres e lhes retiram direitos fundamentais como trabalhadoras e cidadãs. Que efective o direito de todas as mulheres, independentemente da sua origem social, ao Serviço Nacional de Saúde, a uma Escola Pública de qualidade, ao sistema Público de Segurança Social. Que devolva a muitas mulheres a confiança na política e que estimule a sua crescente participação na vida política e social.
Uma política que assegure, na prática, a defesa dos direitos das mulheres e retome os valores de Abril e os direitos conquistados e plasmados na Constituição da República!

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