Vocação
ou propósito
Somente em dois anos o Tribunal Constitucional já chumbou cinco vezes
legislação governamental, o que é sintomático.
Em 2012 estiveram em causa o crime de enriquecimento ilícito e o corte
dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e reformados, pois
no primeiro caso era violada a presunção de inocência e no segundo o princípio
da igualdade, razões consensuais.
Já em 2013 e dada a insistência no corte dos subsídios, proibido anteriormente,
novo chumbo a que se seguiu o da chamada Lei Miguel Relvas sobre a pretensão
governamental de classificar as entidades intermunicipais como autarquias,
sabendo que as referidas entidades não são eleitas por sufrágio universal.
Finalmente e em tempo recente, acontece o chumbo relativo aos
despedimentos coletivos na Função Pública, lei que, a ser aprovada, violaria os
mais elementares princípios consagrados na nossa Constituição, em termos
laborais.
Perante esta catadupa de chumbaria, o comum dos mortais interrogar-se-á
sobre o discernimento do executivo governamental e do seu respetivo exército de
assessores, conselheiros e constitucionalistas, dado que esta situação só seria
possível com um elevado teor de ignorância ou então duma secreta vocação para o
disparate, até porque acresce o facto de muitas das referidas entidades sempre
se terem pronunciado contra estas leis, pois consideravam o seu conteúdo
manifestamente inconstitucional.
Daqui resulta naturalmente a existência dum propósito, conscientemente
assumido por parte da governação, se tivermos em conta ainda algumas afirmações
avulsas do primeiro-ministro, tais como «ir ao pote», logo após a assinatura do
resgate da troika entre PS, PSD e
CDS, estes dois últimos seus apoiantes incondicionais já na perspetiva do poder,
ainda a afirmação proferida na sua posse em Junho de 2011 de que «ia mudar o
paradigma do País» ou seja, como está à vista de todos, destruir o Estado
Social e ainda que o governo «iria mais longe» em cortes e austeridade no programa
imposto pela troika e a culminar verifica-se
que a coligação, mal entrou em funções, enveredou por um tipo de governação a
todos os títulos inconstitucional pela legislação produzida, sabendo que não
passaria no Tribunal Constitucional e
procurando assim lançar a ideia de que este órgão seria o responsável pelo
entrave à execução do programa governamental e uma força de bloqueio, ou seja,
como não consegue mudar a Constituição como reclamava em campanha, o
primeiro-ministro opta por violá-la sistematicamente e com a complacência do
mais alto magistrado da Nação.
Aliás a pergunta do primeiro-ministro saída do Pontal «para que serviu
a Constituição aos 900 mil desempregados portugueses?» e nem acertou no número
que é superior, esclarece e mostra claramente a sua noção de democracia e o
desprezo por quem trabalha ou já trabalhou e agora nem subsídio de desemprego
recebe, tudo derivado às medidas do executivo governamental e não do exercício
dos poderes atribuídos ao Tribunal Constitucional que não pode estar submetido
às opções políticas da coligação.
Para o primeiro-ministro a nossa Constituição tornou-se num obstáculo à
modernização, ao relançamento da economia e à construção dum futuro sustentável
para a população portuguesa em áreas como a Saúde, a Educação, a Segurança
Social, a Justiça e a Defesa, que o digam os utentes do SNS, os professores e
os alunos, os pensionistas e reformados, os pequenos e médios comerciantes e
industriais, os injustiçados e os militares.
O obstáculo de facto existe e deve ser eliminado, mas reside no próprio
governo.
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