sexta-feira, 15 de julho de 2011

Conferência de Imprensa, Jorge Pires, da Comissão Política do PCP , em Lisboa

Não à privatização e à comercialização dos cuidados de saúde!



A pressão da política de direita sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem sido uma constante desde a sua criação em 1979 assumindo novos desenvolvimentos nas últimas semanas com a multiplicação de artigos, comentários e intervenções públicas por parte de muitos daqueles que, ansiosos por mudanças profundas neste sector, não poupam esforços no sentido de pôr em causa o serviço público de saúde.
O objectivo é muito claro: privatizar e comercializar os cuidados de saúde.
Ignorando deliberadamente os resultados obtidos em saúde ao longo dos trinta e dois anos de existência do SNS, medidos a partir de indicadores como o aumento da esperança de vida e taxas de mortalidade, a campanha procura acelerar e aprofundar o processo de privatização em curso de acordo com as orientações expressas nos programas da troika e do Governo, de transferir do Estado, o tal sujeito “demasiado gordo”, para os grupos privados da saúde, uma parte significativa da prestação de cuidados.
Mas é preciso destacar que a OCDE considerou que a despesa pública em saúde não tem grandes desperdícios e que será difícil ser muito mais eficiente. Considerou ainda que para os ganhos em saúde da população, os gastos até nem dispararam.
No essencial, o que defendem os arautos do primado do privado não é que o Estado gaste menos em saúde, mas que o Estado transfira para os grupos privados a prestação de cuidados garantindo os clientes e assumindo o pagamento dos custos. Ou seja, que o Estado fique com a promoção e o financiamento, o que tem custos, e os grupos privados com a prestação de cuidados, o que dá lucro.
Estamos a falar de um sector, o da saúde que, de acordo com a Conta Satélite da Saúde movimenta mais de 17.000 milhões de euros, sendo que uma parte significativa deste valor é gerado na actividade do SNS. É aqui que reside a explicação para a campanha hostil a que tem sido sujeito o SNS ao longo dos anos.
Esta pressão vinda dos grupos monopolistas e dos seus propagandistas é acompanhada pela sistemática intervenção do Presidente da República na defesa de algumas das medidas enunciadas no programa do Governo para o sector da saúde. Intervenção que não difere nos seus objectivos das responsabilidades que assumiu quando o seu governo, em 1995, deu o primeiro grande passo na privatização e comercialização dos cuidados de saúde, com a decisão de entregar a gestão do Hospital Amadora/Sintra ao grupo Mello.
No essencial as suas intervenções centram-se em medidas que, em nossa opinião, são claramente inconstitucionais, o que não é aceitável vindo de quem jurou defender a Constituição da República Portuguesa.
O texto constitucional define de forma muito clara e precisa o papel do Estado na garantia do acesso à saúde de todos os portugueses em equidade, não numa perspectiva assistencialista, mas como um direito de facto e dá ao Serviço Nacional de Saúde, universal, geral e tendencialmente gratuito, o estatuto de instrumento para a concretização desse direito.
Medidas como o pagamento dos actos clínicos indexado aos rendimentos do agregado familiar que por mais que procurem esconder é uma forma de co-pagamento, ou um “plano de prestações garantidas” que põem claramente em causa a condição e a matriz constitucional do SNS, são, para além de socialmente injustas, inconstitucionais.
Há muito tempo que os grupos financeiros que consideram a saúde uma “área de negócio em expansão”, vêm defendendo uma partilha com o Estado para a implementação de um sistema de saúde a duas velocidades. Por um lado, um serviço público para os mais pobres, com poucos recursos e uma natureza caritativa que garanta um pacote mínimo de cuidados de saúde e, por outro, uma estrutura assente nos grupos económicos, com financiamento do Estado e complementado com seguros de saúde vendidos por empresas dos mesmos grupos financeiros que vão prestar os cuidados. Este segundo garantindo cuidados de melhor qualidade para os agregados familiares com maiores rendimentos.
A tese de que sairá mais barato ao Estado é falsa!
A privatização e o crescimento do papel e da influência do capital no sistema de saúde têm-se saldado pelo crescimento da despesa pública e dos custos pagos directamente pelos bolsos dos doentes, como acontece em Portugal. Os grupos monopolistas favorecidos pela política de direita dizem apostar na saúde como área de negócio, mas o alvo dos seus investimentos não é na saúde! É a doença o centro da sua actividade e a fonte dos seus lucros.
Dizem os defensores da privatização dos cuidados de saúde que o privado faz melhor e com menos custos. Nada mais falso!
Em saúde, mercado, livre escolha e liberalismo são iguais a ineficiência, falta de qualidade e risco. Se dúvidas ainda possam subsistir, tomemos como exemplo a privatização da gestão do Amadora/Sintra que se traduziu num enorme prejuízo para o Estado, os custos com as Parcerias Público Privado onde o privado não corre riscos pois o Estado financia e garante os clientes e os operacionais dos hospitais onde as grandes derrapagens acontecem, sobretudo no alargamento das convenções, nos medicamentos e na prestação de serviços por privados e não nos custos com pessoal.
A saúde, actualmente reconhecida como um factor interno ao próprio desenvolvimento económico e social é, por outro lado, em larga medida, resultado do impacto das opções de política económica e social prosseguida.
São os mesmos, os responsáveis pelas políticas de direita que têm conduzido o país e os portugueses para uma situação de desastre económico e social, que vêem agora exigir medidas no campo da saúde ainda mais penalizadoras para as famílias de menores rendimentos.
Considerando o investimento em saúde lido em percentagem do PIB, Portugal encontra-se no meio da tabela entre o conjunto de países da OCDE; já relativamente aos custos para as famílias, Portugal está entre os três países da União Europeia onde esse valor é maior. De acordo com a Conta Satélite da Saúde de 2008 as famílias portuguesas já pagavam em média 1206,6 euros/ano, sendo que a estimativa para 2010 é de 1366 euros. Estamos a falar de cerca de 30% do total das despesas em saúde, para além do que já pagam nos seus impostos. Esta situação é tanto mais injusta, quando se sabe que 49 % dos agregados familiares em Portugal tinham em 2009 um rendimento médio mensal bruto que vai até 849 euros.
Nem tudo está bem no SNS. É um facto.
A falta de médicos de família para centenas de milhar de portugueses, a degradação e o encerramento de instalações e serviços de proximidade, as taxas ditas moderadoras, os custos com os medicamentos e as intermináveis listas de espera para uma consulta da especialidade ou uma cirurgia, tornam-se ainda mais insuportáveis quando largas camadas da população sobrevivem atoladas no pântano da pobreza e das desigualdades.
A crise em que o país está mergulhado não é uma inevitabilidade. Na saúde, como para os outros sectores existe uma política alternativa.
A solução não é privatizar, condicionando dessa forma ainda mais o acesso de milhões de portugueses aos cuidados de saúde.
A solução passa por promover a sustentabilidade, reorganização e financiamento adequado do SNS, desenvolvendo plenamente as suas potencialidades através do total aproveitamento da capacidade instalada e do reforço dos recursos técnicos e humanos garantindo elevados níveis de qualidade.
A solução passa por pôr um ponto final na promiscuidade entre os sectores público e privado com total separação entre eles.
A solução passa por nos libertarmos dos interesses das grandes multinacionais do medicamento, tomando medidas que tenham em consideração a importância estratégica e de soberania de uma verdadeira política do medicamento.
A solução passa por garantir médico de família a todos os portugueses e o acesso à consulta no dia, acabando com as inaceitáveis listas de espera para além dos tempos regulamentados.
A solução passa, num momento em que a esmagadora maioria das famílias estão mais fragilizadas nos seus rendimentos, por reduzir os custos para os utentes cumprindo o preceito constitucional de um SNS tendencialmente gratuito.

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