terça-feira, 5 de novembro de 2013

Contradições ou critérios

                                        Critérios religiosos
D. José Policarpo, hoje Cardeal Patriarca de Lisboa emérito, tem exibido um discurso sobre a crise, considerado por uns e à luz dos conceitos católicos, como surpreendente para não dizer contraditório.
Porém e para outros, habituados a acompanhar o percurso ideológico da hierarquia por este mundo nas mais diversas situações de dificuldades e miséria humana, nada de novo é digno de surpresa, pois a posição eclesiástica da esmagadora maioria dos clérigos sempre foi ao lado do poder constituído, exemplos recentes, por cá, de Cerejeira e António Ribeiro e, por lá, de Ratzinger, Wojtila ou Giovanni Montini. 
Vem isto a propósito da participação de D. José na conferência subordinada ao tema «Caridade é a fé em ação», realizada em Setúbal há poucos dias.   
Dissertando, o Cardeal aproveitou para também se referir à situação do País, mostrando uma completa sintonia com a ação e discurso dos atuais governantes, a mando da troika internacional, causando verdadeira angústia, empobrecimento, miséria e até fome para muitos e muitos milhares de portugueses.
D. José chegou mesmo ao cúmulo de considerar que sem a ajuda caridosa da troika não haveria dinheiro para pagamento de salários e pensões, sabendo ele muito bem onde reside o tal dinheiro depositado nas «offshores» todos os meses, na própria Igreja como potentado económico mundial, na corrupção, nas parcerias público privadas, nas swaps, nas assessorias milionárias, na banca, na especulação bolsista, no grande capital monopolista, nos lucros dos grandes grupos financeiros, ou seja, na financeirização da economia. E depois não chega para o Estado Social.
Mas D. José, não sendo ingénuo ou ignorante, vai mais além ao manifestar-se contra os protestos dos trabalhadores e das populações, exigindo trabalho com direitos e justiça social, pois, segundo ele, «o governo não tem condições para satisfazer as reivindicações de sindicatos», restando por isso a caridade que ele propõe como remédio santo para ir amenizando a crise, apesar de também saber que a tal benemérita troika nos emprestou 78 mil milhões de euros a juros agiotas, dos quais 12 mil milhões se destinaram logo à recapitalização dos bancos privados e de não desconhecer ainda que a sua Igreja do Ecumenismo e da Justiça Social, sendo uma instituição onde não falta dinheiro, continua protegida por subsídios, isenções e fundações que o poder laico incompreensivelmente lhe proporciona, além duma Concordata com cláusulas desconhecidas e, por essa razão, indiciadoras dum bom «negócio».
Para as IPSS foi criado pelo governo, via ministro da Segurança Social, um chamado Plano de Emergência, disponibilizando a módica quantia de 630 milhões de euros destinados a parcerias para garantir serviços que deveriam ser da responsabilidade desse mesmo governo.
Uma pergunta deveria ser colocada a D. José: Não seria possível que a Igreja, com a imensa riqueza de que dispõe e o dinheiro que controla, pudesse ajudar diretamente a eliminar a fome no mundo?
O Orçamento de Estado para 2014, constituindo um agravar da vida diária da esmagadora maioria dos portugueses, foi aprovado com os votos da maioria governamental, PSD e CDS, este de inspiração cristã.

Parafraseando Karl Marx, «à primeira vista, a mercadoria parece uma coisa simples, trivial e evidente, porém, analisando-a, vê-se como é complicada, dotada de subtilezas metafísicas e de discussões teológicas» e nós podemos bem acrescentar que, tal como outrora, o problema nos dias de hoje apresenta-se exatamente de igual forma.

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