Critérios religiosos
D. José
Policarpo, hoje Cardeal Patriarca de Lisboa emérito, tem exibido um discurso
sobre a crise, considerado por uns e à luz dos conceitos católicos, como
surpreendente para não dizer contraditório.
Porém e para
outros, habituados a acompanhar o percurso ideológico da hierarquia por este
mundo nas mais diversas situações de dificuldades e miséria humana, nada de
novo é digno de surpresa, pois a posição eclesiástica da esmagadora maioria dos
clérigos sempre foi ao lado do poder constituído, exemplos recentes, por cá, de
Cerejeira e António Ribeiro e, por lá, de Ratzinger, Wojtila ou Giovanni
Montini.
Vem isto a
propósito da participação de D. José na conferência subordinada ao tema «Caridade
é a fé em ação», realizada em Setúbal há poucos dias.
Dissertando, o
Cardeal aproveitou para também se referir à situação do País, mostrando uma
completa sintonia com a ação e discurso dos atuais governantes, a mando da troika internacional, causando
verdadeira angústia, empobrecimento, miséria e até fome para muitos e muitos
milhares de portugueses.
D. José chegou
mesmo ao cúmulo de considerar que sem a ajuda caridosa da troika não haveria dinheiro para pagamento de salários e pensões,
sabendo ele muito bem onde reside o tal dinheiro depositado nas «offshores»
todos os meses, na própria Igreja como potentado económico mundial, na
corrupção, nas parcerias público privadas, nas swaps, nas assessorias milionárias, na banca, na especulação bolsista,
no grande capital monopolista, nos lucros dos grandes grupos financeiros, ou
seja, na financeirização da economia. E depois não chega para o Estado Social.
Mas D. José, não
sendo ingénuo ou ignorante, vai mais além ao manifestar-se contra os protestos
dos trabalhadores e das populações, exigindo trabalho com direitos e justiça
social, pois, segundo ele, «o governo não tem condições para satisfazer as
reivindicações de sindicatos», restando por isso a caridade que ele propõe como
remédio santo para ir amenizando a crise, apesar de também saber que a tal
benemérita troika nos emprestou 78
mil milhões de euros a juros agiotas, dos quais 12 mil milhões se destinaram
logo à recapitalização dos bancos privados e de não desconhecer ainda que a sua
Igreja do Ecumenismo e da Justiça Social, sendo uma instituição onde não falta
dinheiro, continua protegida por subsídios, isenções e fundações que o poder
laico incompreensivelmente lhe proporciona, além duma Concordata com cláusulas
desconhecidas e, por essa razão, indiciadoras dum bom «negócio».
Para as IPSS foi
criado pelo governo, via ministro da Segurança Social, um chamado Plano de
Emergência, disponibilizando a módica quantia de 630 milhões de euros
destinados a parcerias para garantir serviços que deveriam ser da
responsabilidade desse mesmo governo.
Uma pergunta deveria
ser colocada a D. José: Não seria possível que a Igreja, com a imensa riqueza
de que dispõe e o dinheiro que controla, pudesse ajudar diretamente a eliminar
a fome no mundo?
O Orçamento de
Estado para 2014, constituindo um agravar da vida diária da esmagadora maioria
dos portugueses, foi aprovado com os votos da maioria governamental, PSD e CDS,
este de inspiração cristã.
Parafraseando
Karl Marx, «à primeira vista, a mercadoria parece uma coisa simples, trivial e
evidente, porém, analisando-a, vê-se como é complicada, dotada de subtilezas
metafísicas e de discussões teológicas» e nós podemos bem acrescentar que, tal
como outrora, o problema nos dias de hoje apresenta-se exatamente de igual
forma.
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