domingo, 29 de março de 2015

Propostas para a Banca


Projecto de Lei N.º 833/XII/4.ª

Proíbe os bancos de alterar unilateralmente taxas de juro e outras condições contratuais

Entre os bancos e os respetivos clientes há uma forte assimetria de poder negocial na contratação de créditos e de produtos de poupança, resultante da natureza e do crescente poder que, fruto da política que tem sido conduzida, o setor financeiro assume na vida económica e social do país. No entanto, apesar das diferenças significativas de poder negocial entre bancos e os respetivos clientes, por regra, na contratação de crédito, tanto para financiamento de investimentos, como para a aquisição de bens de consumo duradouros ou de habitação própria ou ainda para gestão de tesouraria, aplicam-se os princípios da chamada livre contratação.
Apesar das regras da chamada livre contratação e do direito dos consumidores impedirem a alteração unilateral dos termos contratados, as diferenças de poder negocial acabam por se traduzir em alterações de spread da taxa de juro nos créditos, em alterações nas tabelas de preços de alegados serviços bancários associados aos produtos financeiros contratados ou, no caso das poupanças, na redução dos montantes que os planos de poupança contratados admitem. Nestes casos, sempre com prejuízo dos clientes, os bancos alteram de forma significativa os termos contratados alegando alterações significativas no ambiente e contexto económico, o que conduz à degradação dos direitos dos utilizadores de serviços bancários consagrados na legislação sobre a chamada livre contratação.
A evolução dos preçários bancários, com o crescente peso das comissões e taxas no produto bancário, numa altura em que os juros se encontram em níveis historicamente baixos – situação particularmente ilustrada com a taxa de juro de referência assumida no quadro da Euribor –, demonstra que no negócio bancário a relação entre os bancos e os respetivos clientes apresenta uma forte assimetria de poder, favorável aos primeiros.
São conhecidos casos em que, perante alterações das condições do mercado interbancário ou, em termos abstratos, do risco de incumprimento de crédito, os bancos alteram condições contratuais, aumentando spreads, criando e encarecendo comissões de gestão, manutenção de depósitos ou serviços bancários, etc. No fundo, uma realidade que permite que, face a alterações de mercado, a variável de ajustamento seja sempre acionada em prejuízo dos clientes e nunca das entidades financeiras.
Não é por acaso que, para promover a concorrência e dessa forma retirar algum poder aos bancos na relação destes com os seus clientes, o legislador e o Banco de Portugal tenham optado por eliminar as barreiras à transferência de clientes de crédito para outros bancos. No entanto, a crescente concentração do setor e a crise financeira têm vindo a demonstrar que não basta facilitar a transferência de clientes entre instituições de crédito para resolver o problema de diferença de poder entre bancos e respetivos clientes.
A resposta da banca à evolução recente das taxas de juro Euribor introduziu um novo fator de perturbação nas relações entre os bancos e os respetivos clientes. A generalidade dos créditos contratados está indexada a taxas de juro Euribor. Por norma estes créditos encontram-se indexados à Euribor a 3 meses ou a 6 meses. Atualmente a Euribor a 1 mês encontra-se em terreno negativo e existe uma expectativa que a taxa indexada a 3 meses venha a ficar muito perto ou mesmo a atingir os 0% entre maio e junho.
Perante a possibilidade de as taxas de juro Euribor mais utilizadas, nomeadamente no crédito à habitação, poderem vir a atingir valores negativos, determinados bancos assumiram nos seus preçários que em caso algum a taxa de referência dos empréstimos concedidos pode ser negativa, considerando-a nula nesses casos e cobrando a totalidade do spread negociado. Nesse sentido, a Associação Portuguesa de Bancos afirmou: «entendemos não fazer sentido que a evolução negativa da Euribor possa afetar a taxa de juro global do empréstimo a ponto de esta vir a ser inferior ao “spread”, ou seja, à remuneração devida pelo risco suportado pelo banco».
Por outro lado, embora o Aviso n.º 6/2009 do Banco de Portugal afirme, no caso dos depósitos bancários, que «qualquer que seja o modo de determinação da taxa de remuneração de um depósito, esta não pode, em quaisquer circunstâncias, ser negativa», na prática, através da imposição de comissões e taxas de gestão e manutenção de contas e das respetivas alterações aos preçários, os bancos impõem taxas efetivas de remuneração de depósitos negativas aos seus clientes. Esta situação torna-se tão mais grave quanto a generalidade dos cidadãos é obrigada a contratar contas de depósito com os bancos para poder aceder a prestações sociais, para aceder ao seu salário ou outras remunerações, para cumprir obrigações tributárias e contributivas, bem como para contratar serviços de fornecimento de energia ou de água, essenciais a qualquer atividade económica e à vida das pessoas.
Perante o papel estratégico que a banca assume, tanto no plano social como económico, face às profundas assimetrias que se revelam nas relações entre bancos e clientes, com claro prejuízo para os últimos, o PCP entende que é necessário introduzir um conjunto de normas que obriguem os bancos a refletir nos seus produtos e serviços a evolução das taxas de juro de referência, quando os mesmos se encontram indexados, como a assumir o risco próprio de qualquer negócio em que a flutuação dos preços se reflete na internalização de custos sem a respetiva transferência para os clientes.
Pelo exposto, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei regula as relações entre as instituições de crédito e os seus clientes na contratação de créditos ou depósitos, proibindo as instituições de crédito de alterarem unilateralmente as taxas de juro ou outras condições contratuais.
Artigo 2.º
Alteração de taxas de juro e de outras condições contratuais
1 – As instituições de crédito estão impedidas de inserir, no plano contratual, condições que permitam a alteração da taxa de juro contratada com mutuário de crédito ou com depositante sempre que a mesma esteja fixada, indexada ou condicionada a uma base ou a um teto.
2 – As instituições de crédito estão impedidas de inserir, no plano contratual, em qualquer circunstância, de modo unilateral ou contratual, condições que permitam a ocorrência de alterações aos contratos de depósito bancário ou de crédito das quais resulte a modificação do preço dos serviços ou do valor das comissões, previamente acordados com os clientes no momento da sua celebração.
Artigo 3.º
Alteração das condições contratadas
Durante a vigência dos contratos de depósito bancário ou de crédito, qualquer alteração das condições contratadas depende do prévio acordo das partes e não pode resultar em prejuízo único para o cliente.
Artigo 4.º
Incumprimento e regime sancionatório
1 – O incumprimento do disposto na presente lei implica a nulidade das condições contratuais inseridas ou alteradas.
2 – Em caso de incumprimento por parte da instituição bancária, as consequências decorrentes da declaração de nulidade prevista no nº 1 são da exclusiva responsabilidade desta, afastando-se qualquer encargo ou prejuízo para o cliente.
3 – Verificada a situação de incumprimento, as instituições de crédito ficam sujeitas ao regime sancionatório previsto no artigo 210.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no primeiro dia após a sua publicação.
Assembleia da República, em 27 de março de 2015

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