quarta-feira, 23 de abril de 2014

Militares de Abril

                                                               
A Revolução de 25 de Abril de 1974 constitui a data mais marcante da nossa história-pátria recente, mas encerra essencialmente uma notável característica ao conseguir harmonizar duas vontades: a do povo no desejo de liberdade, justiça social, democracia e o fim da guerra colonial e a dos militares na determinação e no saber interpretar esses anseios. Por esse motivo devemos prestar a devida homenagem aos Capitães de Abril e estarmos gratos pela forma corajosa e desassombrada como ajudaram no salto em frente do nosso País, quer socialmente quer na procura do desenvolvimento económico.
É forçoso também recordar que o êxito da Revolução do 25 de Abril, ficou a dever-se muito à luta do povo português contra o fascismo, a guerra colonial e o poder dos monopólios e dos agrários, luta sempre apoiada pelo PCP como único partido a combater frontalmente o regime. Estávamos isolados no concerto das nações, com uma taxa de analfabetismo que rondava os 33%, com forte emigração a salto e, certamente por essa razão, é que a Aliança Povo-MFA foi uma realidade constante no processo revolucionário, para darmos o necessário salto em frente.
Durante 48 longos e penosos anos, a horda pidesca constituiu o pilar de segurança do regime saído do 28 de Maio de 1926. Com os seus métodos desumanos e repugnantes seguiu práticas inquisitoriais usadas na Idade Média e aperfeiçoadas pela Gestapo, através de censura prévia, violação da correspondência, escutas telefónicas, chantagens, buscas e prisões sem mandados, torturas físicas e psicológicas, assassinatos, julgamentos sem culpa formada, servindo-se de edifícios prisionais como o Aljube, Peniche, Caxias, Tarrafal e Machava, onde imperava o sofrimento e a morte, tudo em nome dum Estado e duma ideologia fascistas que caracterizavam os governantes de então. O número de inspetores, subinspetores, chefes de brigada, agentes, informadores a troco de dinheiro e outros funcionários da PIDE, ultrapassava os 20 mil em funções, mas colaboraram nessa atividade cerca de 200 mil indivíduos de ambos os sexos, assim apoiando Salazar e Caetano num regime ditatorial dos mais violentos da História Contemporânea, sustentado também pela bênção da hierarquia católica, salvaguardando uma ou outra honrosa exceção, pela Legião Portuguesa e o poder económico de meia dúzia de grupos monopolistas sem visão estratégica.
A preparação política dos militares não era igual entre eles e, em consequência, houve clivagens e tentativas de retrocesso no programa inicial do MFA, protagonizadas por Spínola, responsável pelas organizações terroristas MDLP e ELP, mas também pelos reformistas do grupo dos nove, cujos elementos hoje são impedidos de falar na Assembleia da República na comemoração do 25 de Abril e ainda pelas atitudes aventureiristas de Otelo, associadas às posições revanchistas dos partidos da direita a que os soaristas se associaram incompreensivelmente, apesar de se auto intitularem apoiantes do socialismo, factos estes causando frações no movimento sindical e na sociedade, mas que não impediram a aprovação da Constituição de 1976, ao tempo considerada das mais avançadas.
Houve, porém, um militar que se salientou como timoneiro da Revolução, à qual se dedicou honestamente e sem reservas como insigne elemento das forças armadas e como Primeiro-ministro de quatro sucessivos governos provisórios, chefe da 5ª. Divisão do EMGFA, colaborador no texto final do Programa do MFA para ele um projeto dinâmico aberto à evolução da própria realidade e não um documento de conteúdo estático. As iniciativas e organizações criadas sob o impulso do General Vasco Gonçalves sempre apoiaram os trabalhadores, o povo e a Revolução, sendo suas as palavras «a unidade entre o Povo e o MFA constitui condição fundamental do nosso progresso». Foi o tempo da Reforma Agrária, da Nacionalização da Banca, dos Seguros, das principais empresas estratégicas para a economia nacional, do aparecimento das Funções Sociais do Estado e do Poder Local Democrático, conquistas essas logo postas em causa com as governações constitucionais de 1976 até hoje.
Os militares revolucionários reconheciam a interligação existente entre as três formas de dominação global - capitalismo, fascismo, colonialismo - e também sabiam, que o capitalismo não é reformável, porque as relações sociais em que se baseia e sem elas não pode sobreviver, são intrinsecamente injustas, pois caracterizam-se pela exploração do homem pelo homem.
No 25 de Abril começou uma nova era, fomos envolvidos por uma lufada de ar fresco e a esperança varreu o País, sentimos em cada esquina um amigo, em cada rosto a igualdade e, como em todas as revoluções, há os que ganham e os que perdem. Ganhou o País do progresso, da justiça social e do desenvolvimento, perderam os apoiantes da repressão e do obscurantismo, cujos herdeiros se perfilam hoje, passados 40 anos, numa tentativa de regresso ao passado, bem patente quando o atual Presidente da República recusou uma pensão vitalícia a outro militar notável de Abril, Salgueiro Maia, ao mesmo tempo que concedia idêntica pensão a dois inspetores da extinta PIDE, passado esse bem patente num novo tipo de emigração, a da nossa qualificada juventude, que não mostra vontade de regressar ao solo pátrio por não confiar na governação atual que deixa, a contento, o poder político ser dominado pelo poder económico e financeiro.
Passados 40 anos sobre aquela risonha madrugada, terão os portugueses consciência plena do que se conseguiu em 1974 e o que temos em 2014 com as políticas neo liberais em curso, conduzindo a um retrocesso civilizacional?


25 de Abril sempre! 

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