sexta-feira, 24 de abril de 2015

As primeiras eleições para a Assembleia Constituinte no pós Revolução


Nos 40 anos das eleições para
a Assembleia Constituinte
Consagração e reconhecimento
das conquistas da Revolução
Assinala-se no sábado, 25, o 40.º aniversário das eleições para a Assembleia Constituinte, as primeiras realizadas após a Revolução, que contaram com a participação de 91 por cento dos cidadãos recenseados. Ao longo de dez meses, dos mais intensos da história nacional, os deputados constituintes consagraram em lei fundamental o essencial das imensas transformações políticas, económicas, sociais e culturais que as massas populares e os sectores progressistas das Forças Armadas protagonizavam nas fábricas, nos campos, nas escolas e nas ruas do País. Muitas dessas transformações e conquistas continuam hoje inscritas na Constituição da República, apesar das sete revisões que a amputaram de aspectos essenciais. E permanecem bem vivas no coração do povo, que as defende.


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Entre a realização das eleições para a Assembleia Constituinte e a aprovação e promulgação da Constituição da República, a 2 de Abril de 1976, passou sensivelmente um ano. Ao longo desses quase 12 meses, os acontecimentos sucederam-se a uma velocidade vertiginosa e em direcções contraditórias, ou não se estivesse em pleno processo revolucionário: grandes conquistas, como a Reforma Agrária, foram alcançadas, enquanto em muitas zonas do País imperava ainda o obscurantismo e a opressão fascistas; o PCP reforçava o seu prestígio junto da classe operária, do proletariado agrícola, da juventude e dos intelectuais, ao mesmo tempo que contra ele se levantavam PS, PPD, CDS e demais partidos da extrema-direita, o terrorismo bombista e o aventureirismo esquerdista, numa tão macabra quanto significativa aliança.
Para se ter uma noção mais precisa da complexidade da Revolução portuguesa e da velocidade com que tudo se processava bastará recordar que as eleições se realizaram apenas um mês e meio após a derrota do golpe do 11 de Março, com tudo o que ela significou de avanço democrático e progressista do curso da Revolução, ao passo que a aprovação e promulgação da Lei Fundamental se deram já depois do afastamento de Vasco Gonçalves do governo, do 25 de Novembro e da liquidação da Esquerda Militar. Os trabalhos da Assembleia Constituinte, como é evidente, não ficaram à margem da evolução dos acontecimentos.
O que é notável, e revelador da pujança do movimento operário e popular e da influência de massas do PCP (que, na Assembleia Constituinte, contava apenas com 30 deputados em 250), é o facto de na correlação de forças existente no início de 1976 a Constituição ter sido aprovada com o conteúdo concreto que assumiu, ou seja, como «consagração das vitórias da Revolução portuguesa», como refere Álvaro Cunhal no ensaio escrito no final de 1976, A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro. Nessa mesma obra, o então Secretário-geral do PCP garante que a elaboração, aprovação, promulgação e entrada em vigor da Constituição foram uma «grande vitória das forças democráticas e progressistas e uma séria derrota das forças reaccionárias e conservadoras».
Como a história subsequente veio a demonstrar, muitos dos deputados do PS e do PPD que a aprovaram fizeram-no por não sentirem margem para proceder de outra forma, tendo em conta o vigor do movimento operário e popular. Ao mesmo tempo, longe dos holofotes, das câmaras e dos microfones, esses mesmos partidos, mais o CDS, procuravam sabotar a aprovação da Constituição e matá-la ainda no berço (ver caixa). Significativo da tensão que então se vivia, e dos riscos que a Constituição corria, foi o facto de o Presidente da República, Francisco da Costa Gomes, ter ido à Assembleia Constituinte no próprio dia 2 de Abril de 1976 para proceder de imediato à sua promulgação. 
Intenso confronto político 
A realização de eleições livres para uma Assembleia Constituinte era um dos objectivos expressos no Programa do PCP para a Revolução Democrática e Nacional, aprovado no VI Congresso, realizado em 1965. Após o 25 de Abril, essa manteve-se como uma exigência central dos comunistas portugueses. Mas as eleições pelas quais o PCP se batia deveriam ser verdadeiramente livres, realizadas em condições de respeito pelas liberdades democráticas.
Se estas condições estavam reunidas, nesse tempo, em amplas zonas do País, o mesmo não se passava em numerosas localidades, particularmente da Madeira e do Norte, onde as forças reaccionárias procuraram, e em muitos casos conseguiram, impedir a campanha eleitoral: boicotes a sessões de esclarecimento, agressões a candidatos e apoiantes, expedições punitivas, facadas e tiros foram uma realidade concreta em muitos destes locais. Os comunistas foram os alvos privilegiados destes ataques, tal como o seriam do terrorismo bombista e dos assaltos a centros de trabalho, no Verão de 1975 (e, meses depois, no início de 1976).
À violência somou-se, nos meses, semanas e dias anteriores às eleições, uma brutal campanha anticomunista, a ingerência da hierarquia católica e de sectores do clero, a pressão estrangeira, as divisões no MFA e a mistificação dos reais propósitos de muitas das forças políticas concorrentes: o socialismo era o objectivo proposto por quase todas elas.
Beneficiando de um conjunto de circunstâncias, entre as quais o «voto útil» da direita, que temia acima de tudo o PCP, o movimento operário e popular o aprofundamento da Revolução no caminho do socialismo, o PS saiu das eleições para a Assembleia Constituinte como o partido mais votado: os seus 116 deputados, mais os 30 do PCP e os cinco do MDP/CDE, confeririam uma clara maioria às forças «democráticas e progressistas», não fosse a intenção da direcção do PS procurar utilizar a legitimidade eleitoralnão para impulsionar a Revolução e as suas conquistas, mas para as procurar travar e limitar. PPD e CDS ficaram-se pelos 97 deputados, muitos deles eleitos precisamente nas zonas onde as liberdades democráticas não eram praticadas, onde o 25 de Abril não tinha ainda chegado.


Contra-revolução e mentira 
A Constituição da República Portuguesa, embora mutilada em aspectos fundamentais – e particularmente avançados – pelas sete revisões já realizadas, continua a consagrar um rumo de democracia, progresso, justiça social e soberania e a representar, objectivamente, um freio ao aprofundamento da política de exploração, empobrecimento e submissão, defendida e promovida pelos grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros e seus representantes políticos – PS, PSD e CDS. O desrespeito dos sucessivos governos pelo seu espírito e letra é antigo e diário; os anúncios de novas e mais profundas revisões são frequentes.
PS, PSD e CDS, cada um à sua maneira e apoiados, todos, pelo poderoso sistema mediático ao serviço da política de direita, acusam a Constituição pelas consequências da política que praticam. Criticam-lhe o cunho «ideológico», «marxista», «datado». O PCP assume-se desde o primeiro dia como o mais coerente e combativo defensor da Constituição de Abril.
Em 2015, será para muitos difícil de acreditar que a Constituição da República Portuguesa – ainda para mais numa versão que, no seu artigo 1.º, se manifestava empenhada na transformação do País numa «sociedade sem classes» e, no 2.º, estabelecia como objectivo «assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras», só para citar alguns exemplos – tenha sido aprovada, não só pelo PCP e pelo MDP/CDE (que, juntos, contavam com 35 deputados em 250), mas também, e sobretudo, por PS e PSD. Só o CDS votou contra.
Como lembra Álvaro Cunhal no seu ensaio de 1999, A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (a Contra-Revolução Confessa-se), «não era com 30 votos em 250 que o PCP poderia fazer aprovar as suas propostas», independentemente de, como é evidente, ter lutado para que o «regime a institucionalizar tivesse, como elementos fundamentais, as conquistas revolucionárias». Mas o que é certo, recorda ainda o antigo Secretário-geral do PCP, é que «todos os partidos, pela acção dos seus deputados, participaram na elaboração da Constituição e na sua aprovação».
Nessa mesma obra, Álvaro Cunhal recupera as declarações proferidas, aquando da aprovação da Constituição, pelos representantes dos diferentes partidos. Mário Soares, por exemplo, valorizou a «democracia avançada a caminho do socialismo» que a Constituição consagrava e considerou as nacionalizações «irreversíveis» e a Reforma Agrária um «princípio justo»; o representante do PPD, por seu lado, garantia que a Constituição aprovada era «no seu conjunto muito satisfatória»; e até o CDS, que votou contra, reconhecia-lhe o mérito de romper «definitivamente com um passado de opressão». Todos prometeram respeitá-la. 
Das palavras
aos actos...
 

A prática política destes três partidos é o mais contundente desmentido das suas afirmações. Em A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro, Álvaro Cunhal lembra a oposição tenaz de PPD e CDS à elaboração e aprovação da Constituição na sua versão final: no debate e votações específicas, fizeram tudo para que ela não consagrasse as conquistas da Revolução; procuraram (juntamente com sectores do PS) criar condições para a sua rápida revisão; propuseram que fosse referendada após aprovada; e tentaram (novamente com o apoio de parte importante do PS) forçar a queda do Presidente Costa Gomes antes da sua promulgação, para que um novo chefe de Estado não a aceitasse. Falharam.
Seria com o primeiro Governo Constitucional, do PS sozinho (mas de facto aliado à direita), que se iniciou e institucionalizou o processo contra-revolucionário e o ataque à Constituição da República, que meses antes quase todos os partidos tinham aprovado e todos tinham jurado respeitar. Uma vez mais, palavras e actos eram divergentes: a ofensiva às conquistas de Abril foi, nesses primeiros anos, acompanhada de promessas da sua defesa e aprofundamento. A construção do socialismo era, ainda, o proclamado objectivo do PS, o mesmo partido que, na prática governativa, se aliava a PPD e CDS para minar as bases da sua construção futura – atacando a Reforma Agrária, fragilizando o sector nacionalizado, fazendo do controlo operário letra morta, abrindo portas à adesão de Portugal à CEE, a mesma que Soares, em 1976, garantia não corresponder aos «verdadeiros interesses do povo português» e afastar-se «dos imperativos de uma verdadeira independência nacional».
Só muito mais tarde, travada a dinâmica revolucionária e institucionalizada a contra-revolução, Mário Soares confessaria que, para ele e para o PS, a Constituição «foi a possível», pois expressava a «correlação de forças da época». Mentira e contra-revolução andaram sempre lado a lado.

Defensor intransigente
da Constituição de Abril 

Nas eleições para a Assembleia Constituinte, o PCP apresentou 247 candidatos em todos os círculos eleitorais. Destes, 85 eram operários, 49 empregados, 15 técnicos, 10 camponeses, 62 intelectuais, oito estudantes, seis pequenos e médios comerciantes e industriais e 12 diversos. Mulheres eram 37, 58 tinham menos de 30 anos e 41 entre 31 e 50 anos. Juntos, contabilizavam 440 anos de prisão. Eram, como o PCP anunciava na altura e a vida veio a confirmar, «candidatos do povo».
A Constituição da República aprovada e promulgada a 2 de Abril de 1976 não era a Constituição «do PCP», que, aliás – e tal como os restantes partidos –, tinha o seu próprio projecto de Lei Fundamental do País (publicado, à data, pelas Edições Avante! com o título Por uma Constituição Revolucionária!).
Assim, e tal como os deputados comunistas sublinharam aquando da sua aprovação, e Álvaro Cunhal reafirmou no final desse ano de 1976 na sua obra A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro, a Constituição aprovada reflectia a «composição política da Assembleia, as vacilações de alguns sectores e o peso de elementos reaccionários e conservadores»; em alguns casos, acrescentava-se, «a par do reconhecimento em termos gerais das grandes conquistas revolucionárias, logo se deixam em aberto, para futuras leis regulamentadoras, possibilidades de alteração, contestação e desvirtuamento». Mas, acima de tudo, ela «acabou por reconhecer as conquistas essenciais da Revolução e por, em termos gerais, institucionalizar as situações de facto criadas pela luta revolucionária».
Os deputados comunistas e o PCP, essenciais para que a versão final da Constituição tivesse o conteúdo revolucionário, democrático e progressista que acabou por assumir, foram também determinantes para travar os ímpetos dos que pretendiam fazer da Assembleia Constituinte – que tinha a única e exclusiva função de elaborar a Lei Fundamental – um órgão de soberania, oposto ao governo e ao Conselho da Revolução, destinado a travar a dinâmica revolucionária.

Aquando da aprovação da Constituição, os comunistas garantiram respeitá-la e defendê-la. É o que têm feito desde então. Muitas vezes praticamente sós. Na luta de todos os dias e nas diversas revisões já realizadas – só possíveis pela convergência verificada entre PS e PSD – o PCP manteve sempre uma postura intransigente de defesa do que a Constituição mantém de mais avançado e progressista. Que prossegue.

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