sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Por uma política fiscal alternativa

Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

É possível uma política fiscal alternativa, mais justa e mais adequada às necessidades de desenvolvimento do país

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
O Grupo Parlamentar do PCP realizou na segunda e terça feiras as suas jornadas parlamentares no concelho de Loures, tendo afirmado a política alternativa a partir do diagnóstico da dramática situação do país. Avançamos com múltiplas propostas alternativas à política de direita de destruição e empobrecimento nacional, onde também a política fiscal foi objeto de discussão e reflexão.
O país precisa de uma política fiscal alternativa àquela que tem sido implementada pelos governos do PS, PSD e CDS. Uma política fiscal mais justa, que, assegurando as funções sociais do Estado e o investimento público, alivie a carga fiscal sobre os trabalhadores e o povo, assim como sobre as micro e pequenas empresas, e rompa com o favorecimento da banca e dos grupos económicos e com a especulação financeira.
É exatamente neste sentido que vão as propostas de natureza fiscal anunciadas ontem pelo PCP nas suas Jornadas Parlamentares.
Para desonerar os trabalhadores e as famílias em sede de IRS, iremos propor o aumento do número de escalões, diminuindo a taxa de imposto nos escalões mais baixos e intermédios e criando um novo escalão para rendimentos muito elevados, a que corresponderá uma taxa de imposto mais alta. Proporemos ainda a eliminação da sobretaxa extraordinária e a generalização do princípio do englobamento de todos os rendimentos. Em sede do IVA, apresentaremos uma proposta para redução da taxa normal do IVA e o alargamento da aplicação da taxa reduzida ou intermédia do IVA a bens e serviços essenciais.
Quanto às micro e pequenas empresas, o PCP irá propor a eliminação gradual do pagamento especial por conta, a redução da taxa nominal de IRC para as micro e pequenas empresas, a redução da taxa do IVA da restauração para 13% e a generalização do regime do IVA de caixa nas transações com o Estado.
Paralelamente a estas propostas de desoneração fiscal dos trabalhadores e das micro e pequenas empresas, o PCP apresentará um conjunto de propostas visando uma tributação mais justa dos grandes grupos económicos e das grandes fortunas, nomeadamente, a reposição da taxa nominal de IRC em 25% e a criação de uma taxa mais elevada para as grandes empresas, a utilização dos resultados contabilísticos para o apuramento da taxa de IRC e a redução significativa do número de anos durante os quais é permitido deduzir prejuízos fiscais. Proporemos ainda a criação de dois novos impostos: um imposto sobre transações financeiras, inspirado na taxa Tobin, e um imposto sobre património mobiliário, incidindo sobre participações sociais, títulos de dívida privada, depósitos e outras aplicações financeiras, acima de determinados limiares.
Este conjunto de propostas tem em conta as necessidades de financiamento do Orçamento do Estado de modo a aumentar o investimento, cumprir as responsabilidades com os trabalhadores e os reformados e garantir o financiamento das funções sociais do Estado e dos serviços públicos.
Com estas propostas o PCP assume uma proposta alternativa à sobrecarga dos trabalhadores e das micro e pequenas empresas em matéria fiscal que o Governo se prepara para impor no Orçamento do Estado. Simultaneamente, as propostas do PCP rompem com a política de favorecimento dos grandes grupos económicos e financeiros.
O grande capital beneficia de múltiplos e generosos benefícios e isenções fiscais. Os dados disponíveis revelam que entre 2010 e 2012 a despesa fiscal associada aos benefícios fiscais aumentou 54% para o IRC mesmo sem incluir os 1.045 milhões de euros de benefícios fiscais atribuídos às SGPS que o Governo tentou esconder na Conta Geral do Estado de 2012. No mesmo período, os benefícios fiscais diminuíram 34% para o IRS e 22% para o IVA.
Mas o favorecimento dos grandes grupos económicos e financeiros não passa apenas pela atribuição de benefícios fiscais. Na recente reforma do IRC, levada a cabo pelo Governo PSD/CDS com o apoio do PS, a taxa nominal deste imposto diminuiu de 25% para 23%, com a intenção declarada de uma maior diminuição nos próximos anos. Esta alteração, associada ao significativo aumento do número de anos em que é possível fazer reporte de prejuízos e à criação de instrumentos de planeamento fiscal agressivo, permitirá que as grandes empresas reduzam substancialmente, nos próximos anos, o valor dos impostos pagos ao Estado.
A redução do peso do IRC na receita fiscal é uma evidência que ninguém pode negar. O IRC representava no ano 2000, no conjunto dos impostos diretos, 37%; em 2013 já representava apenas 27%. No reverso da medalha, o IRS passou de 56% dos impostos diretos em 2000 para 67% em 2013. A diminuição do IRC e o aumento do IRS levou a uma profunda alteração quantitativa do peso relativo destes dois impostos nas receitas fiscais do Estado. Em 2014 a receita de IRS já será quase o triplo da receita de IRC.
Ao mesmo tempo que favorece os grandes grupos económicos, o Governo sujeita os trabalhadores a um verdadeiro saque fiscal em sede de IRS. A diminuição do número de escalões de IRS, a redução das deduções à coleta e a introdução de uma sobretaxa levou a um aumento da receita de IRS em 2013, relativamente a 2012, de 36%. Para 2014 o Governo prevê que a receita fiscal em sede de IRS fique 40% acima da receita obtida em 2012. Só nestes dois anos, 2013 e 2014, o Estado arrecadará mais 6.900 milhões de euros com o IRS. É disto que falamos quando nos referimos ao saque fiscal dirigido contra os rendimentos dos trabalhadores!
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Aqueles que têm como objetivo a redução ou mesmo a eliminação das funções sociais do Estado, contrapõem despesa pública à carga fiscal, tentando iludir que não há impostos a mais em abstrato, o que há é um peso fiscal insuportável e crescente sobre os rendimentos dos trabalhadores e uma desoneração escandalosa da tributação do grande capital, dos seus lucros e da especulação financeira. As propostas do PCP mostram que é possível uma política fiscal alternativa, mais justa e mais adequada às necessidades de desenvolvimento do país.

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