sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Exemplos pouco edificantes


Aos governantes exige-se comportamento impoluto, isento e que não constitua matéria para
especulações ou dúvidas a pairar no pensamento dos governados.
Vem isto a propósito do chamado «caso Tecnoforma», dos seus meandros e das suas
implicações políticas, para além do inerente problema fiscal.
Todos temos consciência de que Portugal se transformou, nos últimos tempos, num paraíso para
a corrupção, o roubo e o nepotismo, com relevância para a promiscuidade entre a política e os
negócios ou negociatas, sem que os autores, na sua esmagadora maioria «personalidades de
colarinho branco», sejam chamados à pedra para responderem pelos seus crimes, salvaguardado
um ou outro caso isolado de que tomamos conhecimento ultimamente.
Relativamente ao caso Tecnoforma, o primeiro-ministro, apertado num espartilho de difícil
saída, decidiu dar explicações ao Parlamento, onde garantiu que, quando era deputado em
exclusividade na Assembleia da República, não recebeu qualquer remuneração fixa, mas foi
reembolsado por despesas de representação efetuadas em almoços, viagens dentro e fora do
País, sem no entanto esclarecer o respetivo montante, apesar da insistência dos deputados da
oposição que solicitaram sem sucesso o levantamento do sigilo bancário.
Mais acrescentou o visado ter apresentado as referidas despesas no Centro Português para a
Cooperação (CPPC) organização não-governamental criada pela Tecnoforma e a cujo Conselho
de Fundadores presidia com o apoio do «amigo» Relvas.
Convém aqui recordar que a Procuradoria-Geral da República possui no seu site oficial um
espaço destinado às denúncias anónimas criado em conformidade com as regras da OCDE,
intitulado «Corrupção: denuncie aqui» e onde foi parar uma denúncia contra o primeiro-ministro,
acusando-o de ter recebido do GrupoTecnoforma 150 mil euros entre 1995 e 1999,
quando exercia a função de deputado em exclusividade, denúncia que a Procuradoria juntou à
investigação que está a levar a cabo há dois anos exatamente sobre a Tecnoforma.
Acontece, porém, que o responsável pela investigação e após três meses de trabalho, resolveu
separar, por prescrição, a denúncia contra o chefe do governo do processo geral da empresa,
o que levou Passos Coelho de imediato a solicitar investigação à sua pessoa, sendo o pedido
arquivado como não podia deixar de ser e na véspera da intervenção do primeiro-ministro na
Assembleia da República. Mantém-se, porém, a dúvida e também a pergunta: por que razão não
foi investigado o eventual branqueamento de capitais que não prescreveu? Para as despesas de
representação é atribuído um limite a partir do qual se torna obrigatório declará-las em sede de
IRS, mas o primeiro-ministro nem as declarou no registo de interesses entregue no Parlamento.
O branqueamento de capitais está muitas vezes associado à fraude fiscal, pois corresponde à
dissimulação de rendimentos que não foram declarados ao fisco, pelo que fica também por
explicar a decisão da Procuradoria.
Acresce a declaração de Luis de Brito, ex-diretor da Tecnoforma, revelando que durante 15
anos, entre 1996 e 2011, os donos da Tecnoforma possuíam uma offshore na Ilha de Jersey para
onde canalizavam por ano milhões de dólares vindos de Angola, funcionando como um saco
azul para encobrir despesas não documentadas em Portugal.
Sabe-se ainda que, tal como o primeiro-ministro, também os srs. Vasco Rato, Ângelo Correia
e Marques Mendes foram fundadores do Centro Português para a Cooperação (CPPC), criado
para o desenvolvimento das relações entre os PALOP, embora não se lembrem de tal facto,
seguindo uma linha de esquecimento curiosa, pois ninguém sabe onde se encontram os registos
comprovativos dos pagamentos das tais despesas de representação no montante de largos
milhares de euros e apesar de um dos advogados da Tecnoforma, Cristóvão Carvalho, ter
admitido que os registos devem existir, se ninguém entretanto os tiver destruído.
A intervenção do chefe do governo no Parlamento na procura da sua ilibação em todo este
processo, não obteve o efeito desejado, embora os deputados do PSD e do CDS a tivessem
aplaudido de pé. Foi um pró-forma, mas o mal-estar é notório dentro do próprio PSD.
Instado a pronunciar-se, o presidente de alguns portugueses limitou-se, como é habitual, a
um comentário inócuo sobre o assunto. Já se levanta a hipótese de constituir uma comissão
parlamentar de inquérito, até porque a decisão do procurador Rui Correia Marques, ao arquivar
o processo de denúncia contra o primeiro-ministro, criou mal-estar na área judicial.
É mais uma vergonha nacional a juntar aos outros casos sobejamente conhecidos, o que
leva a subir de tom a crítica à política e aos políticos metendo-os todos no mesmo saco e
considerando-os todos iguais, o que é injusto e sem fundamento, pois sabe-se da existência de
bons exemplos, nas autarquias, na Assembleia da República, no Parlamento Europeu e nas lutas
do dia-a-dia da população portuguesa, de gente honesta e isenta que serve o povo e não se serve
dele, nem promete eleitoralmente aquilo que já sabe não ir cumprir.
Iguais são, de facto, os que têm estado no poder em mais de três décadas de governação,
levando o País para a situação atual e, por essa razão, também cabe ao povo a responsabilidade
de soberanamente contribuir sem preconceitos para mudar de rumo e de políticas, criando os
alicerces para um futuro de mais justiça social e desenvolvimento económico e acabando com a
corrupção e a promiscuidade entre o poder económico e o poder político.

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