quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Instantâneos do nosso quotidiano

                                          
Um jovem que sofreu um acidente de viação há dias, em Chaves, teve de fazer 400 quilómetros de ambulância para ser visto por uma equipa de neurocirurgia, dado não haver vagas nos hospitais próximos.
Necessitando de transferência para uma unidade de neurocirurgia, Chaves não tem a especialidade, os hospitais mais próximos, Porto, Gaia, Matosinhos e Braga, informaram que não tinham vagas, pelo que acabou por ser encaminhado de ambulância para o Santa Maria, em Lisboa, com mais de quatro horas de viagem, pois o helicóptero também não tinha condições de segurança para levantar voo. Os serviços estavam cheios, as vagas estavam preenchidas, no Norte e Centro ninguém o recebeu nem atendeu, teve de ir para o sul.
Sendo escandalosa, não é para surpreender, no entanto, esta situação, pois fecharam centros de saúde, urgências hospitalares e outras valências, o transporte de doentes está um caos, com problemas nos bombeiros e no INEM, a linha de saúde 24 não funciona com regularidade, continua o desinvestimento na área da Saúde e pelo contrário este ano há mais 300 milhões de euros de cortes, os constrangimentos ao nível de recursos humanos continuam com falta de médicos de família, mas emigram médicos e enfermeiros e agora anda o ministro à pressa a tentar recrutar médicos reformados, os tempos de espera para consultas e cirurgias aumentam de tal forma que há utentes que vão ficando pelo caminho, há dificuldades na obtenção de medicamentos cada vez menos comparticipados e na área do cancro, um dos maiores flagelos da sociedade, continuam as dificuldades, embora os profissionais tentem abnegadamente ultrapassar os problemas existentes, Paralelamente e na semana passada, a Espírito Santo Saúde deu entrada na Bolsa de Valores com pompa e circunstância, palmas e champanhe, abraços e entrevistas, beneficiando da transferência direta de milhões de euros do Orçamento de Estado, ou seja, continua em curso a chamada reforma da Saúde começada na governação PS e seguida nesta do PSD/CDS. O negócio floresce para os grupos económicos que operam no sector, enquanto os utentes pagam mais pelas taxas moderadoras e pelo acesso a outros serviços no âmbito do SNS. No passado dia 11 deste mês decorreu o XXII Dia Mundial do Doente e, independentemente de filosofias ou crenças, ninguém consegue ficar indiferente ao sofrimento causado por diversas enfermidades físicas e mentais, razão pela qual é chocante ver transformar a Saúde num «chorudo» negócio à custa do erário público.
Noutra área, a Cultura, com a qual, pelos vistos, a direita não lida bem, somos surpreendidos pelo surrealismo da tentativa de venda à sucapa das obras de Miró e, de tal forma, que chegamos ao vexame de ouvir da empresa leiloeira britânica a reprimenda «aqui só se vendem obras cumprindo as leis a que as mesmas estão sujeitas». Já anteriormente e em relação à classificação das Fundações para extinção, foi resolvido pelo executivo governamental extinguir a Fundação Paula Rego, detentora dum acervo artístico admirado em todo o mundo e levando a pintora a solicitar a devolução de 186 obras emprestadas, porém, este mesmo executivo manteve a Fundação do PSD Madeira para onde terão sido canalizados, entre 2012 e 2013, mais de milhão e meio de euros, numa demonstração de critérios culturais no mínimo enviesados.
E como não há duas sem três, eis que surge a «clarividente» medida de sortear pelas Finanças automóveis topo de gama para cativar o pedido de faturas, a única forma encontrada para dizer aos cidadãos que devem pagar impostos, pois assim podem ganhar um carro, quando todos sabemos ser através das off-shores e da deslocação de sedes de grandes empresas para outros paraísos fiscais que a fuga se processa, isto num País em que as micro, pequenas e médias empresas se encontram a braços com o aumento do pagamento especial por conta, do IVA e da falta de consumo interno, num País com milhão e meio de desempregados e os que trabalham fazem-no cada vez mais com salários de miséria, com cerca de três milhões de pobres, em que imensas crianças encontram na Escola a primeira refeição do dia e os seus avós se confrontam com roubos nas suas reformas e pensões, 
Curiosamente, as áreas atrás referidas (Saúde, Cultura, Finanças) encontram-se consagradas na nossa Constituição, em cujo texto preambular aprovado em 1976 se pode ler que «a Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios básicos da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito Democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção dum País mais livre, mais justo e mais fraterno».
Sinais dos tempos do nosso quotidiano que temos de mudar, pois só nós o podemos fazer e com confiança no futuro, mas a confiança exige luta, a menos que queiramos de novo seguir os caminhos da repressão e obscurantismo de que nos libertamos com tanto custo no 25 de Abril.



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