segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sessão evocativa do 110º aniversário do nascimento de Bento de Jesus Caraça
Bento de Jesus Caraça - Um exemplo de confiança no futuro
Segunda 18 de Abril de 2011
Encontramo-nos aqui hoje para celebrar o 110º aniversário do nascimento de Bento de Jesus Caraça, figura ímpar da nossa história recente. Figura ímpar como cientista, figura ímpar como pensador marxista e homem de cultura, figura ímpar como intelectual comprometido com as aspirações e as lutas do seu povo, figura ímpar como militante comunista, figura ímpar como corajoso combatente pela unidade democrática e antifascista.
No ano em que comemoramos o 90º aniversário do nosso Partido e, nessa comemoração, reavivamos a imagem da incomparável construção colectiva que o PCP é, gostaríamos, se isso fosse materialmente possível, de poder enumerar um a um os nomes dos seus construtores. Não o podemos fazer. Mas quando falamos daqueles nomes que a nossa memória colectiva mais destaca, verificamos que entre todos existe uma coisa em comum: sendo personalidades individuais de características excepcionais, todos agiram com a profunda consciência de que das suas invulgares capacidades apenas decorria uma acrescida responsabilidade perante o seu povo. De que é no contributo para a luta pelo desenvolvimento e emancipação das massas populares - nas múltiplas dimensões que esta luta assume - que os grandes talentos individuais encontram a sua mais alta realização. Assumindo para si próprio a grande tarefa que propunha à sua geração: a de despertar a alma colectiva das massas, é esse o exemplo de Bento de Jesus Caraça.
Bento de Jesus Caraça era filho de trabalhadores rurais. Ao contrário de tantos outros, condenados pela origem social ao cerceamento das suas capacidades inatas, pôde prosseguir estudos e antes ainda de completar os 22 anos, idade com que concluiu o curso, era já docente universitário. Mas essa impressionante trajectória não modificou nem o seu carácter nem a fidelidade às suas raízes. Saído "do fundo das massas" - na sua própria expressão - ele­vou-se a uma alta situação social e cultural. Como viria a afirmar numa das suas conferências, ele foi um dos que "se conservaram fiéis à sua própria classe e aos seus ideais de emancipação humana e não desertaram ingressando no campo contrário". Sendo, como era, um homem profundamente humano, Caraça nutria um profundo desprezo por aqueles que, saídos do povo, se não "conservaram fiéis à sua origem" e "se bandearam, por acção dos vários meios de que o aparelho dispõe, com os interesses dos que mandam". E a fidelidade ao sentido de pertença ao povo norteou toda a vida e toda a actividade cultural, cívica e política de Bento de Jesus Caraça.
Quando, ainda aos 18 anos, fora convidado para segundo assistente no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras assumia já um lugar de direcção na Universidade Popular, de que foi depois director até ao fim da sua vida.
Bento de Jesus Caraça via na sua trajectória pessoal a trajectória de enriquecimento cultural e intelectual necessária ao “despertar colectivo das massas” já referido. Todo o seu imenso trabalho de divulgação e promoção da cultura assenta nesse entendimento, numa concepção profundamente democrática e anti-elitista da cultura.
A sua intensa intervenção cultural, os cursos de aperfeiçoamento que orientava nos sindicatos de classe, a Universidade Popular, a Biblioteca Cosmos, a actividade de conferencista são as de um intelectual militante pela causa da transformação social e da emancipação dos trabalhadores. Nem a Cultura é neutra, nem a luta por ela é alheia à luta contra a expropriação dos direitos dos trabalhadores e do povo, contra o “monopólio da cultura” que Bento Caraça identificava como uma das faces do monopólio da riqueza e do poder pelas classes dominantes.
O seu anti-elitismo é o do humanismo progressista: a cultura "não é inacessível à massa; o ser humano é indefinidamente aperfeiçoável". A tarefa dos que se batem pela transformação do mundo e da vida é a de "ir ao encontro de todas as aspirações culturais das massas tra­balhadoras, tentando sempre satisfazê-las". Essa é uma forma privilegiada de elevar a sua capacidade de actuação consciente e autónoma (ou seja, a cultura como meio), para atingir o "máximo desenvolvimento das capacidades intelectuais, artísticas e materiais encerradas no homem", que Caraça, como Marx, con­siderava ser a finalidade última da cultura. Processo que descreve de forma lapidar: "A aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a conquista da liberdade”.
O pensamento de Bento de Jesus Caraça sobre a cultura marca profundamente toda a reflexão democrática desde então. Tornou-se parte integrante, não apenas do património teórico e ideológico do nosso Partido, mas das suas orientações programáticas específicas, e expressamente da concepção de democracia cultural, uma das quatro vertentes da democracia avançada por que nos batemos.
A dimensão cívica e política de Bento de Jesus Caraça vai muito para além da sua admirável acção no plano da cultura. Assume um destacado papel na denúncia da ameaça fascista, da marcha que, com o desencadear da sublevação franquista em Espanha, anunciava o criminoso caminho que conduzia a nova guerra mundial. Escreve, em 1939: “prepara-se um novo crime contra a humanidade. Para que este crime seja possível, são postos em acção todos os meios: corrida desenfreada aos armamentos, preparação do ambiente moral pela excitação dos antagonismos de raças – a mentira e o ódio postos ao serviço dos fabricantes de canhões”. E neste texto identificamos dois elementos fundamentais e inseparáveis na visão que Bento Caraça tem daqueles cujos interesses vão desencadear a tragédia: a condenação política, e a condenação moral da baixeza e cinismo com que conduzem a sua acção.
É um combatente pela paz. É uma figura central do movimento de unidade antifascista dos anos 40, em primeiro lugar com o movimento clandestino criado em 1943, o MUNAF, cujo Conselho Nacional de Unidade antifascista Bento de Jesus Caraça integrava, em representação do PCP, e ao qual deu um contributo determinante. Depois, a seguir ao final da guerra e tirando partido da falsa “abertura” que o salazarismo encenava, contribui com a sua orientação e o seu enorme prestígio para forçar a actuação legal, com o MUD e o MUD juvenil.
Bento de Jesus Caraça é um exemplo em toda a sua acção cívica. Exemplo de dignidade, coragem e superioridade moral, nomeadamente na forma como enfrenta a repressão fascista e o afastamento da universidade. Exemplo de coerência e firmeza de princípios. Exemplo de fidelidade aos interesses e aspirações do seu povo. Exemplo de confiança no ser humano. Exemplo, mesmo nos tempos mais difíceis, de confiança na luta dos povos e no socialismo. É ele, recordemos, quem profere em 21 de Novembro de 1926, ou seja, no ano do golpe que abre caminho à instauração da ditadura fascista em Portugal, a convicta afirmação: “creio que a classe proletária está destinada a, num futuro mais ou menos próximo, tomar nas suas mãos a direcção dos destinos do mundo, transformando por completo a organização social existente”.
O exemplo intelectual de Bento de Jesus Caraça é vivo e actual em múltiplos aspectos. E um daqueles em que é mais actual é o do rigor científico na investigação e no conhecimento do real, do respeito pela autonomia do trabalho intelectual e científico, pela controvérsia e o debate. Um dos aspectos mais chocantes da actual crise global do capitalismo é a tentativa de imposição, sem escrutínio, sem controvérsia e sem crítica, de um receituário económico desprovido de base científica e de uma cartilha ideológica em permanente conflito e contradição com a realidade, ao mesmo tempo que são silenciadas, ocultadas, excluídas do debate e até proscritas correntes de pensamento que previram e caracterizam com rigor a situação existente e apontam as perspectivas reais de a ultrapassar.
Bento de Jesus Caraça não deixaria de comparar esta situação com aquela que analisou no seu texto sobre Galileu Galilei. Para concluir que, nesta como noutras situações anteriores, o combate que a liberdade e o progresso travam contra a opressão reaccionária tem sempre associado o combate entre as ideias criadoras e a ciência e o obscurantismo, seja qual for a forma como este se apresente. Em vez de um universo em movimento, a interpretação estática do destino guiada pela astrologia, parece ser a teoria económica do capitalismo. Mas, tal como Bento de Jesus Caraça nos disse, “a frente desta luta não está agora no plano da astronomia, mas sim no social”.
E é – neste tempo carregado de perigos e complexidades, neste tempo concreto – com o exemplo de Bento de Jesus Caraça, com a presença tão viva entre nós deste homem nascido há 110 anos, com a sua confiança no futuro construído pela acção das massas populares que nós prosseguimos o combate pela emancipação do ser humano em relação a todas as formas de exploração e opressão, pela liberdade, pelo socialismo. Com a certeza, que era também a sua, de que venceremos.

Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP
Sobre o desenvolvimento do processo de intervenção externa, designadamente o contacto com o PCP por parte do FMI/UE/BCE
Segunda 18 de Abril de 2011
1. O PCP foi hoje contactado para um encontro com o grupo do FMI, União Europeia e BCE, executor de uma ilegítima intervenção externa em Portugal.
Arvorando-se já em mandantes do país, este contacto integra e insere-se no processo de ingerência, roubo e desastre dirigido contra o país que o PCP rejeita e combate. Um processo que, não resolvendo nenhum problema do país, constituirá um novo e mais grave factor de agravamento da exploração dos trabalhadores, de ampliação da injustiça e desigualdades sociais, de declínio económico e de dependência externa.
2. Perante este rumo desastroso e num momento crucial para o país, o PCP diz Não! a este caminho de afundamento e de comprometimento do futuro de Portugal.
Há alternativa. O PCP diz Sim! a uma política patriótica e de esquerda, que no imediato impõe a renegociação da dívida externa (prazos, juros e montantes); a diversificação das fontes de financiamento; a acção convergente com outros países vítimas da especulação financeira e do Euro; a aposta na produção nacional (produzir mais para dever menos); a redução das importações, a par do aumento das exportações e a diversificação das relações comerciais.
3. Em coerência com esta posição, essencial à defesa dos interesses nacionais, o PCP rejeita o seu envolvimento num processo que constitui uma inaceitável atitude de abdicação e submissão nacional.
Reafirmando a sua determinação de intervir a todos os níveis na defesa dos interesses do país e colocando a exigência de informação, a que institucional e politicamente tem direito, o PCP transmitiu já a sua recusa à reunião proposta.
4. Esta mesma posição foi expressa pelo PCP ao Primeiro-Ministro com inteira clareza, afirmando a sua frontal rejeição a uma intervenção externa, em si mesmo comprometedora do futuro da vida dos portugueses, do país e das suas perspectivas de desenvolvimento soberano.
Rejeição que não anula a exigência e direito do PCP de ser informado pelo Governo português do conjunto de dados e elementos sobre a real situação financeira, económica e orçamental do país, os seus concretos compromissos e as disponibilidades e recursos próprios.
Informação que, para lá de qualquer dimensão negocial que em absoluto rejeitamos, constitui um direito inalienável e inquestionável que não pode nem deve ser comprometido pelo posicionamento por parte do PCP no sentido de se opor a um processo e a uma intervenção que só contribuirá para manietar o país, aprofundar a sua subordinação ao capital internacional e justificar mais exploração, injustiças e pobreza.
Informação que, mesmo no quadro das suas funções de gestão, só o Governo e as instituições nacionais vocacionadas para o efeito devem dar e não qualquer entidade estrangeira ou supranacional sem legitimidade.
5. Perante o contacto hoje recebido que contraria estes pressupostos de relacionamento, que o PCP não pode aceitar, reafirma-se a exigência da informação que é devida, hoje mesmo reiterada junto do Governo.
6. Perante esta intervenção externa e o que lhe está associado – roubo nos salários, cortes nas prestações sociais, redução das funções sociais do Estado, privatizações, apoios à banca e aos grupos económicos, recessão, alienação de importantes parcelas da soberania nacional – o PCP reafirma ao povo português que pode contar com a sua luta e intervenção para lhe fazer frente e a derrotar.
Perante esta afronta ao povo português, é preciso haver quem diga Não!. É essa atitude que o PCP assumirá.

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